Cerca de 160 países dizem sim ao pacto da ONU sobre migração no Marrocos

Por JOHANNS ELLER*

Barco da guarda costeira da Espanha chega ao porto de Málaga, no sul do país, depois de resgatar dezenas de imigrantes à deriva após naufrágio na costa espanhola

As Nações Unidas aprovaram ontem em Marrakech, no Marrocos, o texto final do Pacto Mundial para a Migração. O acordo segue, agora, para a confirmação pela Assembleia Geral. Líderes europeus como a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sanchez, e o premiê da Grécia, Alexis Tsipras, estiveram presentes para dar corpo à iniciativa, boicotada por governos nacionalistas do Leste Europeu e pelos Estados Unidos de Donald Trump.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, denunciou durante o discurso de abertura da conferência intergovernamental as “muitas mentiras” propagadas sobre o conteúdo do acordo e destacou o esforço empenhado na redação do pacto. O diplomata fez, ainda, um apelo para que os países não sucumbam ao medo da imigração.

Segundo o texto do acordo, de 40 páginas, suas diretrizes visam “fomentar a cooperação internacional sobre a migração entre todas as instâncias pertinentes, reconhecendo que nenhum Estado pode abordar a migração sozinho, e respeitar a soberania dos Estados e suas obrigações em virtude do direito internacional”, ressaltando com ênfase o caráter não vinculante aos signatários, ou seja, que suas cláusulas não se sobrepõem à legislação de cada Estado.

Para o pesquisador de pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio), Bruno Magalhães, a iniciativa pelo pacto é positiva, mas tem problemáticas. “É a primeira vez que temos um acordo mundial nessa área. É um passo significativo ao definir padrões globais de ação. Houve vários problemas, como o discurso de securitização e mercantilização do imigrante, mas isso não pode nos cegar de que é uma iniciativa sem precedentes”, avalia Magalhães.

Entre as medidas concretas do pacto está o veto às detenções arbitrárias e o uso da prisão como último recurso pelas autoridades. O governo americano, que abandonou as tratativas do acordo em dezembro do ano passado, criticaram a iniciativa na última sexta-feira. “As decisões sobre a segurança das fronteiras, sobre quem é autorizado a residir, ou a obter cidadania legalmente, são algumas das decisões soberanas mais importantes de um país”, afirmou a missão americana na ONU na ocasião.

Com a saída dos EUA do pacto, o bloco europeu assumiu a liderança das negociações e, por consequência, a agenda da União Europeia (UE) acabou dominando a formulação do texto final. Segundo Magalhães, isso se torna perceptível na abordagem migratória no campo da securitização, aos moldes americanos e europeus, mesmo ao tratar da garantia de direitos.

“A agenda de segurança pode se tornar ainda mais vociferante do que vinha sendo, ironicamente, sob um pacto apresentado à opinião pública internacional como um passo importante na defesa de direitos. Vemos, por outro lado, a promoção do aumento de controle, polícia, segurança, inclusive autorizado pelo discurso humanitário”, explica o pesquisador. “O acordo fechado com a Turquia para a cooperação de um cordão sanitário em torno do bloco europeu em troca de cooperação para o desenvolvimento é um outro exemplo. São aportes de alguns bilhões de euros direcionados para o controle migratório, mas também para o desenvolvimento”, acrescenta.

O viés da securitização é replicado, também, pelos críticos mais calorosos do pacto. Ontem, o chanceler do Chile, Roberto Ampuero, fez um pronunciamento no mesmo sentido ao explicar o motivo pelo qual o país não enviou representantes para Marrakech. “O Chile tem as portas abertas para os que querem vir trabalhar, contribuir, se integrar a nossa sociedade, mas tem as portas completamente fechadas para quem busca delinquir, violar ou burlar nossas leis”, explicou Ampuero, criticando o texto por não diferenciar imigrantes regulares e irregulares de forma clara. O presidente, Sebástian Piñera, acusou o pacto de “incentivar” a imigração ilegal.

De acordo com a secretária-geral da conferência no Marrocos, Louise Arbor, desde a aprovação da criação de um pacto migratório pela ONU, na Assembleia Geral de 2016, nove países se retiraram do acordo: é o caso de Áustria, Austrália, Chile, República Checa, República Dominicana, Hungria, Letônia, Polônia e Eslováquia. Além deles, Bélgica, Bulgária, Estônia, Itália, Eslovênia e Suíça pediram mais tempo para avaliar suas cláusulas em meio a pressões internas.