Roger supera trauma corintiano e racismo na Polônia

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Portal Terra

VIENA - Poucos meses antes de torcer por seu país na Eurocopa pela primeira vez na história, o presidente polonês Lech Kaczynski interrompeu os despachos eu seu gabinete para garantir o reforço de um meia-esquerda paulistano de 26 anos, fã de samba e feijoada. Desta forma, Roger conseguiu concluir o processo de naturalização a tempo e foi o maior destaque da Polônia na disputa da Eurocopa. Principal responsável pela mudança de nacionalidade do jogador formado nas categorias de base do São Caetano, o técnico holandês Leo Beenhaaker viu o atleta marcar o único gol de sua equipe na competição.

Então jogador do Juventude, Roger recebeu uma proposta do Legia Varsóvia. Antes de aceitar a oferta do clube, ele viajou a Polônia para se certificar de que existia futebol no país. Satisfeito com o que viu, principalmente com a possibilidade de receber seu salário em dia, resolveu lutar contra o frio do leste europeu. Além do clima, precisou enfrentar o preconceito de alguns torcedores. Após conquistar títulos pelo Legia, o jogador que era chamado de maçado pelos adversários a cada cobrança de escanteio virou titular da seleção nacional.

- Tenho certeza que os torcedores que me xingaram aplaudiram o meu gol na Eurocopa - disse o jogador em entrevista ao Terra.

Com apenas um ponto em três jogos, fruto do empate com a Áustria na segunda rodada, quando Roger estufou as redes e foi eleito pela Uefa o melhor jogador em campo, a Polônia não passou da primeira fase da Eurocopa. No Grupo B ao lado de Croácia e Alemanha, o time de Leo Beenkaaker foi eliminado de forma precoce. No entanto, para o ex-lateral de Corinthians e Flamengo, a competição continental pode ser promissora. Assediado por clubes como Benfica e Ajax, ele espera que a participação no torneio seja uma ponte para ligas mais promissoras. O Paris Saint-Germain e o Olympiakos também estariam interessados no futebol do jogador.

Empolgado, Roger continua estudando para aprender a cantar o Hino Nacional da Polônia do início ao fim. Lembrado pelos corintianos em função da expulsão precoce diante do River Plate, pelas oitavas-de-final da Copa Libertadores de 2003, ele fala do episódio como ele fizesse parte de um passado remoto.

- Desde que o Corinthians me enxotou, que eu tive forças para dar a volta por cima. Quero ser lembrado como o Roger do Flamengo - declarou. Enquanto espera por uma proposta oficial de grandes clubes europeus, Roger se diverte com os incidentes provocados pelo idioma e declarou que fica com torcicolo de tanto olhar para as loiras de olhos claros que infestam as ruas de Varsóvia.

Terra - Você marcou o único gol da Polônia na primeira Eurocopa da história do país. Como surgiu a idéia de se naturalizar para defender a seleção?

Roger - No ano passado, uma pessoa ligada à seleção veio conversar comigo depois do treino do Légia e me perguntou se eu gostaria de me naturalizar polonês para defender a seleção na Eurocopa. Eu achei interessante desde o começo, mas não acreditei muito na situação e viajei para passar as férias no Brasil. Quando voltei, começaram a falar disso com mais força. Tive uma reunião com o técnico da seleção (Leo Beenhaaker), juntei todos os documentos e dei entrada no processo de naturalização. A iniciativa partiu do treinador, foi ele que se interessou pelo meu trabalho.

Terra - O presidente Lech Kaczynski interveio para concretizar o seu processo de naturalização. Como foi a participação dele?

Roger -Foi um processo bem acelerado. Normalmente, você precisa morar durante cinco anos para pedir a nacionalidade, mas eu estava somente há dois anos e meio. Por isso, contei com a ajuda do presidente, do primeiro-ministro e de todo mundo do governo. O técnico da seleção tem uma aceitação muito grande na Polônia. Ele treinou muitos clubes importantes e classificou a Polônia para a Eurocopa pela primeira vez na história. Por isso, ele tem uma aceitação enorme.

Terra - Em uma cerimônia, o presidente entregou a você a documentação e camisa da seleção polonesa. O que ele te pediu nesse momento?

Roger -Como não falo fluentemente, tinha uma tradutora na cerimônia. Ele me cumprimentou e desejou boa sorte para que eu pudesse ajudar a seleção. Ele gosta muito de futebol, inclusive estava no estádio quando fiz o gol contra a Áustria. Eu fiquei muito contente, porque existiam muitas dúvidas sobre mim no começo do processo de naturalização. Com o decorrer dos meus jogos pela seleção, foram aceitando mais a idéia. O presidente disse que ficou surpreso, que fiz um jogo maravilhoso e que ele não imaginava que eu fosse jogar tão bem na seleção.

Terra - Como a torcida recebeu a idéia de ver um brasileiro com a camisa da seleção? Houve algum tipo de resistência no começo?

Roger -Sempre tem, tem um pessoal mais nacionalista que foi contra e teve dúvidas no começo. Em qualquer coisa, sempre tem gente a favor e contra, eu procuro aceitar a opinião de cada um. Com o meu futebol, eu queria mostrar que tudo isso valeu a pena e acho que venho conseguindo fazer isso jogo a jogo. No amistoso antes da Eurocopa, contra a Dinamarca, até gritaram o meu nome. Fiquei muito feliz, com os jogos a aceitação vai aumentando.

Terra - Você deixou o Juventude para jogar no futebol polonês. O que te levou a aceitar a proposta do Légia? Foi mais pelo aspecto financeiro?

Roger -Foi um desafio que resolvei aceitar. O Juventude queria renovar comigo e tinha algumas propostas de clubes brasileiros também. A única oferta da Europa era da Polônia. Foi a chance que vi de voltar para a Europa. Financeiramente, não era nada demais, a Polônia não paga como na Espanha ou Itália. Para falar a verdade, eu nem sabia que tinha futebol na Polônia. Por isso, pedi para conhecer a estrutura do clube antes de assinar. Eu viajei, gostei do que vi e acabei aceitando. Só a garantia de receber em dia já era um alívio para mim, foi uma das coisas que me incentivaram. Essa história de jogar na seleção nunca passou pela minha cabeça. Quando cheguei lá com um frio de -25ºC, pensei: "o que estou fazendo aqui?". Agora, já estou me acostumando, há dois anos e meio como titular e com uma regularidade boa.

Terra - Como os dirigentes do Legia descobriram você?

Roger -Teve uma pessoa que viu o DVD com os meus melhores momentos e mostrou para o treinador do Legia. Essa pessoa é um polonês que fala português. Ele até me perguntou se eu gostaria de jogar na frente ou atrás, porque eles jogam com duas linhas de quatro. Como sou um jogador mais ofensivo, disse que preferia jogar na frente para criar o jogo. Eles jogam com os meias bem abertos, com liberdade para fechar pelo meio. No Celta, joguei na linha de trás e tinha muita responsabilidade de marcar. Ele passou para o treinador e a contratação foi acertada.

Terra - Na Polônia, alguns jogadores já tiveram problemas com preconceito. Você enfrentou algum incidente deste tipo?

Roger -Isso já aconteceu comigo algumas vezes. Quando você está jogando e vai cobrar um escanteio, por exemplo, às vezes os torcedores fazem aquele barulho de macaco. Mas a gente entende, porque é o torcedor adversário, eu não ligo muito. No Brasil, nunca tive esses problemas. Eu não fico com raiva, porque tenho um entendimento muito bom e sei que o torcedor age sempre com a emoção. Mas é claro que não é correto. Tenho certeza que os mesmos que fizeram isso aplaudiram meu gol pela seleção na Eurocopa. Na rua, eu nunca tive problemas desse tipo, sou muito querido e respeitado.

Terra - Antes de estrear na Eurocopa, você fez apenas dois jogos com a seleção. Você percebeu algum tipo de insatisfação entre os jogadores com a sua presença repetina entre os titulares?

Roger -Eu até achei que isso aconteceria, mas todos entenderam muito bem e fui super bem recebido. Antes da Eurocopa, fizemos dois amistosos e já fiquei concentrado junto com o elenco da seleção. Os mais velhos vinham sempre puxar assunto comigo para me enturmar. Antes de me convocar, o treinador se reuniu com sete jogadores do time para falar do assunto e eles falaram que, se eu viesse para ajudar o time e não pensando em mim mesmo, tudo bem. Com o decorrer do tempo, provei que estava com a mesma mentalidade e fiquei amigo de todos, sempre fazendo brincadeiras com todo mundo.

Terra - Você é um brasileiro jogando na seleção polonesa sob o comando de um técnico holandês? Como vocês se comunicam?

Roger -Eu enrolo um pouco no inglês e no polonês, mas não sou fluente. O treinador é holandês, mas fala bem espanhol. Meu técnico no Legia também é polonês, mas fala espanhol. A maioria dos jogadores da seleção fala inglês. A comunicação não é 100%, mas até que sai com naturalidade.

Terra - Você já se confundiu alguma vez? Entendeu uma instrução errado do treinador e falhou?

Roger -Dentro de campo, nunca tive muito problema. Essas coisas acontecem mais do lado de fora. Às vezes, você fala alguma coisa e os poloneses olham um pouco assustados, principalmente no começo, quando você não conhece o significado das palavras. Por exemplo: falar curva no Brasil não tem problema nenhum, mas aqui (kurva) significa puta (risos).

Terra - E na hora de cantar o hino? Você arriscou alguma coisa?

Roger -Esse detalhe foi bastante comentado na Polônia. Eu não vejo como obrigação você saber cantar o hino do país, até porque tem muitos poloneses que não sabem. Eu já sei uma parte, ainda não aprendi tudo, mas estou treinando. Nos jogos, eu cantava até a parte que eu sabia e depois fazia minha oração pessoal agradecendo e pedindo proteção. Eu estou procurando aprender. A tradutora me mandou por e-mail a letra do hino e a música, mas é bem complicado...

Terra - Ao marcar o único gol da Polônia na Eurocopa, você ganhou uma visibilidade muito grande. Você espera que essa participação sirva como uma ponte para jogar em um grande centro da Europa?

Roger -Com certeza, é uma vitrine muito grande. Coletivamente, eu fiquei triste de a seleção não ter passado da primeira fase, mas eu fiz um bom campeonato e tenho esse sonho de jogar em uma grande liga da europa. Vamos ver o que vai acontecer, ainda tenho mais um ano e meio de contrato com o Légia e tenho que esperar. Mas com certeza a vontade de jogar em países como França, Alemanha e Espanha existe, em clubes que disputam a Copa dos Campeões freqüentemente. Eu tive algumas sondagens, mas nada oficial. Vamos esperar para ver o que vai acontecer.

Terra - Em quem você aposta na Eurocopa?

Roger - Eu acho que a Alemanha vai disputar a final contra a Rússia e conquistar o título.

Terra - Do que você mais sente falta no Brasil?

Roger -Com certeza, é da família, porque eu vivo sozinho. Um bom samba também faz falta, eu tenho uns amigos que têm um grupo de pagode aqui no Brasil e fico com saudade esperando chegar as férias. Falta também o feijãozinho da minha avó, porque aqui não vende no mercado. Com certeza, o frio e a língua são os maiores problemas. O técnico da seleção brinca que ele já desistiu de aprender o polonês e resolveu ficar só no inglês. O povo também é um pouco mais frio.

Terra - E das mulheres brasileiras? Você também sente saudades?

Roger -Eu morei um ano com uma namorada brasileira, mas não deu certo. Agora em 2008, estou livre e desimpedido. A mulherada aqui é muito bonita. Eu sempre brinco com meus amigos no Brasil que vivo com torcicolo, porque você não sabe para onde olhar. Tem muita loira de olho azul, olho verde... Não estou comprometido, mas tenho umas amigas especiais...

Terra-

Em São Paulo, você ainda é lembrado pela expulsão precoce no jogo entre Corinthians e River Plate, pelas oitavas-de-final da Libertadores de 2003. Isso ainda incomoda? Roger - De maneira alguma. Eu costumo dizer que há males que vêm para o bem. Depois que o Corinthians me enxotou, que eu consegui força para dar a volta por cima. Isso não me incomoda, até porque não se ganhe não se perde sozinho. Então, não fui eu que perdi aquela classificação. Eu prefiro ser lembrado como o Roger do Flamengo, que foi campeão e marcou gols importantes. Eu nunca digo nunca, mas acho difícil pintar essa proposta. Eu confesso que um eventual retorno nunca passou pela minha cabeça.