Alta voltagem: State Grid briga com Daniel Dantas por faixa de terra para linhão de Belo Monte

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A construção do novo linhão de transmissão que pretende levar a energia de Belo Monte para o Rio de Janeiro está travada nas fazendas do banqueiro Daniel Dantas, no Pará. Com tensão recorde de 800 kVolt, a maior estrutura desse tipo já levantada no país, tem 2.526 quilômetros de extensão, e contaria quatro fazendas do dono do Banco Opportunity, que resiste na Justiça. Envolvido em casos de corrupção e preso brevemente em 2008, Dantas hoje ganha bilhões com pecuária, mineração e revenda de propriedades no Norte do país, além de investimentos imobiliários no Rio de Janeiro. 

A disputa judicial está sendo travada entre a chinesa State Grid, dona da concessionária Xingu Rio Transmissora de Energia (XRTE) e as fazendas da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, de Dantas. O litígio foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deu ganho de causa à Dantas, ameaçando a obra, orçada em R$ 9,3 bilhões. O linhão parte do município de Anapu, no norte do Pará, com destino a Nova Iguaçu, no Rio. 

Alvo de polêmicas, que vão de invasões por camponeses sem terra a arresto de bens por determinação judicial, as propriedades de Dantas na região têm dimensão de aproximadamente 500 mil hectares. Mas a extensão real e a titularidade das terras da Santa Bárbara estão sendo questionadas na Justiça, com sucesso, por advogados ligados a Pastoral da Terra, que atuam em nome de famílias assentadas. 

Dessa vez, a briga não é com pequenos agricultores ou camponeses, mas com uma estatal chinesa. A State Grid confiava que, com a declaração de utilidade pública do traçado concedida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), poderia erguer a linha. Mas a empresa de Dantas não permitiu o acesso às terras. Então, os chineses obtiveram uma liminar da 1ª Vara de Xinguara (PA) para acessar o imóvel. A Santa Bárbara recorreu ao Tribunal de Justiça do Pará e conseguiu reverter a decisão. Por fim, a XRTE foi ao STJ, mas não conseguiu decisão favorável. 

A área prevista para ser cortada pela linha, que atravessará o país até MG, prevê faixa de isolamento de até 120 metros, ao longo da qual há “produções madeira e cacau, que possuem relevante valor econômico”. Foi o argumento acatado pela Justiça estadual, que contrariou a construtora. O juízo alegou, ainda, que a liberação da área pode resultar “em destruição dessas produções para a instalação das linhas de transmissão, esvaziando a possibilidade de posterior avaliação judicial do seu valor”. 

Agora as partes tentam um acordo. Dantas pediu aos chineses que mudassem o traçado da linha, o que não foi aceito. Por meio de nota, a concessionária da State Grid declarou que “as propriedades interceptadas pelo empreendimento, sejam elas quais forem, estão sujeitas a constituição de servidão administrativa em prol da soberania do interesse público em detrimento do interesse privado”.  A empresa alega, ainda, que o desenho da rede foi pensado “de forma a otimizar o traçado, minimizar impactos, e constituir melhor solução socioambiental, e não para privilegiar um proprietário/interesse privado em detrimento de outro”. 

O Banco Opportunity informa que resiste à construção porque a linha acabaria com um projeto batizado de Reflorestamento Produtivo da Amazônia (RPA), iniciado em 2009. Mais de 2 mil árvores seriam derrubadas, segundo a corporação. Contraditoriamente, há pelo menos dez anos, a Santa Bárbara é acusada de praticar desmatamento ilegal por organizações defensoras do meio ambiente, como o Greenpeace.

Em reunião fechada no Ministério de Minas e Energia, no mês passado, os chineses relataram ao governo que o projeto vai bem, mas um “ponto de atenção” incomoda: o litígio que envolve as fazendas da Agropecuária Santa Bárbara. 

As obras do linhão começaram em setembro do ano passado e têm previsão de conclusão para dezembro de 2019, momento em que 100% da potência da hidrelétrica de Belo Monte estará disponível. O impasse fundiário com Dantas, porém, tem tirado o sono dos chineses. 

A energia gerada por Belo Monte será levada para a região Sudeste por meio de duas grandes linhas. A primeira, em operação desde dezembro, pertence à concessionária BMTE, controlada por um sociedade entre a State Grid e a Eletrobrás. A linha, que vai de Anapu (PA) ao município de Estreito, na divisa de Minas e São Paulo, tem 2.076 quilômetros de extensão e custou R$ 5 bilhões.

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Fazendas na mira dos sem terra

Uma fazenda pertencente a Daniel Dantas foi alvo de reportagem publicada nesta semana pela Revista Época, que conta a história do teólogo e advogado da Comissão Pastoral da Terra, José Batista Gonçalves Afonso. Ele impediu a expulsão de agricultores do Movimento dos Sem Terra (MST), da fazenda Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, de propriedade do banqueiro no sudeste do Pará. 

Batista fez levantamento dos antigos donos da fazenda e descobriu que um terço da área reivindicada pelos donos para a reintegração de posse — 2.970 hectares do total de 9.991 — pertencia à União, e não à Santa Bárbara.

Usando dados georreferenciais, Batista atestou que o título que atribuía a área ocupada pelos Sem Terra à Santa Bárbara poderia ser, na verdade, de uma fazenda no município de Água Azul do Norte, a 137 quilômetros. 

Enquanto as famílias eram retiradas do terreno, técnicos da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa)  fizeram o georreferenciamento da área, confirmando que as coordenadas e o formato descrito no título não correspondiam à documentação. O Incra ainda não apresentou parecer final sobre a questão, mas um procurador do órgão afirmou a “Época” que não há dúvidas de que se trata de uma terra pública.