Edital da Funarte não oferece verba

Presidente da Fundação, Stepan Nercessian diz que entidade está “na conta do chá”

Por ANDRÉ DUCHIADE, andre.duchiade@jb.com.br

Um edital lançado pela Fundação Nacional de Artes (Funarte) tem causado polêmica no meio artístico por não oferecer nenhum recurso financeiro à realização dos projetos que afirma apoiar. O processo seletivo estipula que “não haverá prêmio em dinheiro ou transferência de recursos financeiros” por parte da Fundação, de modo que os premiados precisarão “arcar com todo e qualquer custo de seu projeto/programa de ocupação”. 

Aberto até 16 de agosto, o edital “Paralelos Artes Visuais Funarte” tem a intenção de criar cadastro reserva de projetos e programas para realização nas galerias e espaços da Funarte em Belo Horizonte, Brasília e São Paulo. O edital prevê, contudo, que a responsabilidade pelos “gastos com materiais, ferramentas e equipamentos necessários à confecção de sua(s) obra(s), bem como pela manutenção do mesmo” fica totalmente a encargo dos próprios artistas. 

A ausência de remuneração contraria a tradição dos editais da Funarte, considerados referência no meio cultural. Em 2016, o prêmio Funarte Conexão Circulação Artes Visuais, que viabilizou exposições exatamente nos mesmos espaços do atual edital, concedeu entre R$ 180 mil e R$ 250 mil para dez projetos. 

Nas redes sociais, artistas, críticos de arte e curadores pediram um boicote ao edital.  A crítica de arte e curadora Daniela Name afirmou que é “vergonhoso” a Funarte, “instituição que já foi tão importante, propor que o artista se banque”. Ela acrescentou que “enquanto houver um único artista ou curador inscrevendo projetos, seremos cúmplices do descalabro”. 

A artista visual e cineasta Anna Costa e Silva disse que “isso é um absurdo, principalmente por ser nos exatos mesmos espaços. Eu acho que temos que escrever uma manifestação com abaixo-assinado e todo mundo assinar, pedindo para eles voltarem o edital como sempre foi”. 

A museóloga Daniela Camargo, que trabalha com planejamento e desenvolvimento de exposições, afirmou que “leu e releu” o edital à procura do valor do prêmio e que não acreditou quando não viu que não havia verba disponível. Camargo fez parte da equipe de colaboradores do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte durante nove anos, além de ter atuado no setor de projetos da Fundação. “Sou cria da Funarte, a quem devo boa parte da minha vida profissional no Rio. Saudades daquela instituição forte e respeitada. [Este é] mais um desmantelamento que assisto frustrada”, disse. 

O presidente da Funarte, Stepan Nercessian, justificou a ausência de remuneração afirmando que a Funarte “está fazendo o que é possível sem dinheiro”: “Temos tentado fazer algumas iniciativas para ao menos manter a coisa viva, mas a realidade é que é a verba é muito restrita. Estamos na conta do chá”. 

Nercessian também afirmou que aguarda uma reunião no fim do mês no Ministério da Cultura em Brasília, para saber se terá acesso a mais recursos do Fundo Nacional de Cultura. Ele disse que a Fundação ainda deve lançar em breve o Edital Prêmio Myriam Muniz, de teatro, sem dizer se ele também sofrerá contingenciamentos. 

O orçamento autorizado para a Funarte este ano é de R$ 122 milhões, em comparação a R$ 163 milhões em 2014 e R$ 133 milhões em 2017.

No Facebook, o diretor do Centro de Artes Visuais da Funarte, Xico Chaves, observou: “Se decidiram sobre um edital sem custos, é porque ainda resta alguma coisa. Se não, já haviam fechado todos eles. Só não o fizeram porque houve uma reação dos poucos sobreviventes que restaram. Abrir este flanco agora, já nos últimos momentos de um desmanche, seria colaborar com a estratégia cruel em andamento e procurar um caminho que não seja o de sempre. Temos que analisar melhor a situação e evitar precipitações que já foram usadas e não deram em nada”.