Para o povo inteiro Cantar

Por MÔNICA RIANI,monica.riani@jb.com.br

É bom ouvir os clássicos de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, como “Sá Marina”, “Teletema” e BR-3”, entre muitas outras que sobrevivem ao tempo e estão na argamassa da história da música brasileira. E é ainda mais saboroso escutar o maestro lembrar de como o modo de produção adotado por ele, 40 anos atrás, inaugurou a produção independente no país. Dirigindo sua Belina repleta de LPs e sempre com o piano elétrico de co-piloto, Antonio cruzava as estradas investindo também numa política colaborativa. Junto a outros músicos, articulava estratégias de distribuição, correndo por fora do império das grandes gravadoras. 

Esta moldura realça a importância do maestro carioca que, além de lançar o primeiro disco independente (“Fora da caixa”) do Brasil, ser exímio pianista, educador, produtor, compositor e arranjador da nata artística, agora prepara o lançamento do “Songbook Antonio Adolfo & Tibério Gaspar” (Editora Irmãos Vitale; 168 págs; R$ 79), reunindo as composições com seu parceiro mais fiel.

O projeto começou a ser idealizado após a morte de Tibério, em fevereiro de 2017 e traz 53 composições da dupla. “O songbook é um tributo à dupla Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, mas também uma homenagem póstuma a meu saudoso parceiro”, define. O lançamento será no dia 21, às 19h, na livraria Travessa de Ipanema. A obra traz texto historiográfico assinado por Lula Moura, é ilustrada por 42 imagens e tem apresentação do jornalista Nelson Motta. 

Por coincidência, o lançamento acontece nos 50 anos de lançamento da música “Sá Marina”, que tem mais de 200 regravações, na estimativa do próprio Antonio, que afirma ser a mais regravada dos dois. A canção, que atravessa décadas, foi registrada por artistas de várias gerações e de tribos distintas, como Wilson Simonal, Elis Regina, Sérgio Mendes, Stevie Wonder, Iveste Sangalo e Alexandre Pires. 

Antonio Adolfo começou a trabalhar no projeto em julho do ano passado, escrevendo as partituras e recolhendo as letras. “Felizmente todas as nossas 53 músicas foram gravadas, o que tornou fácil encontrá-las no YouTube. Portanto, o critério foi colocar todas as músicas prontas – sempre existe uma ou outra inacabada”, conta. A perda do amigo e parceiro reforçou a produção do trabalho. “Talvez a morte dele tenha me motivado a produzir esse projeto. Tibério tinha planos de gravarmos um CD. Acho que o songbook é algo mais consistente, que abre caminho para novas gerações terem contato com nossa música e as gerações anteriores identificarem, lembrarem aquelas canções que marcaram a juventude de muitos – ao menos, isso é o que falam”, avalia.

“Tibério foi meu mais importante parceiro”

Antonio Adolfo não concorda com o título de que ele e Tibério foram hitmakers. “Não concordo, porque hitmaker, no meu entender, quer dizer compositores que fazem música com o objetivo de alcançar a hit parade. E essa não era a nossa intenção. Queríamos fazer músicas bonitas e simples – essa sempre foi a tônica da dupla. O sucesso era uma consequência, não apenas das canções, mas das interpretações. Tibério foi meu mais importante e constante parceiro: foram 53 músicas”. 

O songbook contém melodia, letra e acordes cifrados para violão, guitarra, cavaquinho, piano, contrabaixo e outros instrumentos. “Seja toada, soul ou bossa, Antonio e Tibério têm lugar de honra entre os fundadores do pop brasileiro”, pontua Nelson Motta na abertura. Lula Moura principia o songbook trazendo a informação de que Antonio Adolfo e Tibério Gaspar começaram muito novos, praticamente garotos, e formaram essa dupla que se tornou uma marca na música popular brasileira, respeitadíssima, tanto pelos fãs quanto pelos seus pares. Desse casamento musical, nasceram canções que fizeram história. E o universo conspirou para que eles se encontrassem e unissem seus sonhos para a realização de outro ainda maior. 

A estrada foi longa para chegar ao songbook que, como diz a letra de “Sá Marina”, vai fazer o “povo inteiro cantar”. “Atualmente, 90% dos lançamentos em disco no Brasil são autoproduzidos, ou independentes. Naquela época, em 1977, eu viajava de carro na minha Belina, quando era mais distante ia de avião, apresentando para todo o Brasil, principalmente as capitais, o ‘Feito em casa’, meu trabalho independente. Fazia reuniões com músicos de cada cidade, quando discutíamos sobre produção, direitos autorais e a possibilidade de gravar nossos próprios discos. Um espírito de colaboração geral. Os próprios músicos me ajudavam a vender os discos nas lojas e nas universidades. 

Fazíamos shows juntos – e acho que todos, inclusive eu, claro, aprendíamos muito”, lembra. O relevante projeto Pixinguinha também era outra via de escoamento. “O Projeto Pixinguinha ajudou muito a divulgar minha obra. Ali, contávamos com toda a infra, patrocinados pela Funarte com apoio do MEC”, conta. 

Hoje, o selo AAM tem poder - a indicação ao Grammy é a maior prova. “O Grammy é a grande festa da indústria do disco, e chegar lá, com uma produção totalmente independente, não é fácil”, diz. Autor de 450 composições, em suas próprias contas, de parcerias com vários artistas, Antonio está na Florida, onde mantém residência nos Estados Unidos. Viajou para organizar com um grupo de lá uma série de apresentações na Austrália nos meses de julho e agosto, além de ordenar o lançamento do próximo CD, que acontece no segundo semestre. “O disco é todo instrumental, inclusive a voz do Zé Renato atua como instrumento. Tem algumas em parceria com Tibério, como ‘Caminhada’, a primeira canção da dupla, uma homenagem ao baixista Luizão Maia. Os estilos brasileiros, como samba, frevo, afoxé, Bossa Nova, fundidos com o jazz, é uma mistura que tenho adotado nos meus lançamentos recentes. O disco sairá pelo meu selo AAM”, informa.

Em janeiro, no Madison Square Garden, em Nova York, marcou presença com o álbum “Hybrido - From Rio to Wayne Shorter” indicado para dois Grammys, o Latino e o principal, como Melhor Álbum de Jazz Latino. Aliás, para este disco, uma ilustração do craque Bruno Literati - autor de suas capas há tempos -, a partir de foto de Alexandre Moreira, engrandece o encarte. “Gravei com três instrumentistas de sopro e mais seção rítmica. O disco recebeu críticas maravilhosas, incluindo quatro estrelas e meia na DownBeat, a publicação mais importante do jazz. Esteve entre os mais tocados nas estações de jazz dos Estados Unidos e Canadá durante quatro meses, tendo chegado ao segundo lugar. Uma vitória!”, exulta. 

“Viajo muito por outros países também. Procuro estar onde minha música é bem recebida”, conta. Nos 60 anos da Bossa Nova, analisa: “A Bossa Nova foi (e é) um fenômeno. Trouxe uma modernidade importantíssima para a música brasileira. Chegou, entrou e ficou na música do mundo inteiro. A batida do violão, o ritmo simplificado, as harmonias sofisticadas para aquele momento, melodias bem construídas, letras… Sem dúvida, a participação de João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius, Lyra, Menescal muitos e muitos outros foi fundamental para isso. Merece ser comemorada sempre”, conclui.