A história surreal de um fotógrafo brasileiro no Iraque e Síria... que nunca existiu

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Um jovem surfista brasileiro supera o câncer aos 25 anos e encontra novo significado para a vida: vai servir como voluntário a missões humanitárias da ONU enquanto aproveita para registrar o sofrimento no Iraque e na Síria. A história de Eduardo Martins seria motivo de inspiração para muitos, não fosse um pequeno detalhe: ele nunca existiu.

Mais de 120 mil seguidores no Instagram, incluindo o perfil oficial das Nações Unidas e portais reconhecidos de imprensa como a Vice e a Al Jazeera. Uma leucemia que paralisou sua vida durante sete anos e, quando foi embora, deixou uma forma totalmente nova de ver o mundo. Era assim que o paulistano Eduardo Martins se apresentava às dezenas de canais, rádios e revistas que ao longo de 2016 e 2017, o entrevistaram.

Supostamente morando em Beit Hanoun, uma cidade ao noroeste da Faixa de Gaza, o brasileiro se embrenhava em missões para nenhum fotógrafo de guerra botar defeito. Acompanhou a batalha por Mossul, no Iraque. Registrou o conflito na Síria ao lado do Exército Livre sírio.

A vida sofrida e os cliques imperdíveis que registrava nos lugares mais perigosos do planeta lhe valeram fama e alguns milhares de dólares em trabalhos vendidos para veículos como a DW, BBC, Wall Street Journal… Só que Eduardo Martins nunca esteve nestes lugares. Não se sabe nem mesmo se ele existe de verdade.

Eduardo foi exposto em um artigo do colunista do portal Waves, Fernando Costa Neto, o mesmo que um mês antes tinha publicado um artigo sobre as façanhas do jovem surfista/fotógrafo/humanitarista. Segundo o jornalista, começou a receber ligações de veículos que investigavam a existência de Eduardo. Quando entrou em contato, o fotógrafo, que até bem pouco tempo dizia estar abalado emocionalmente, mas a caminho da Síria, deu um paradeiro diferente.

“Estou na Austrália. Tomei a decisão de passar um ano uma van. Vou cortar tudo, inclusive internet. Quero ficar em paz, a gente se vê quando eu voltar. Qualquer coisa, me escreve no dudumartisn23@yahoo.com. Um grande abraço, Vou deletar o zap. Fica com Deus. Um abraço".

O perfil no Instagram sumiu misteriosamente. O site www.eduardomartinsphotographer.com também foi deletado. A Sputnik Brasil verificou a titularidade do domínio, uma maneira utilizada para rastrear quem registra o endereço. Descobrimos que "Eduardo" comprou o domínio por meio da Perfect Privacy, LLC, uma empresa de Jacksonville, na Flórida, especializada em deixar no anonimato quem pretende abrir um website. "A Perfect Privacy assegura que suas informações pessoais sejam privadas. Ao se inscrever, quando você registra seu domínio, nossa informação é publicada no banco de dados WHOIS, em vez de sua", anuncia a empresa em seu site.

Revelando a farsa

O fotógrafo paulistano Ignácio Aronovich não acompanhava o trabalho de Eduardo, mas se atentou à história depois da repercussão ao post do Waves. Curioso, foi checar as fotos que o falso fotógrafo tinha cedido a uma revista e descobriu a verdadeira autoria do trabalho. Ele conversou com exclusividade com a Sputnik Brasil.

"Sigo os fotógrafos que produzem cobertura de conflitos e lugares em crise há muitos anos e nunca tinha ouvido falar desse cara […]. Fui pesquisar e algumas fotos dele me chamaram a atenção. As câmeras têm disparadores do lado direito, tinha uma foto com um sujeito segurando a câmera com o disparador no lado esquerdo, o que me fez desconfiar que a imagem poderia estar espelhada", conta Ignácio.

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