Rita Moutinho lança nesta terça-feira livro de poesias 'Theo & May'
O poeta é, por essência, um transgressor. Talvez seja por esse motivo, ou principalmente por ele, que a poeta Rita Moutinho nunca tenha se esquivado nas inúmeras vezes em que foi desafiada a trilhar o caminho da poesia. Desde 1975, quando escreveu seu primeiro livro, A Hora Quieta, até a segunda edição de Sonetos dos Amores Mortos, em 2014, ela mergulhou com competência e sabedoria nessa fatia da literatura.
Com 10 livros publicados, ela agora desembarca de outra viagem feita ao universo da escrita e lança nesta terça-feira (15), na Livraria Travessa do Shopping Leblon, Theo & May – Sonetos de amor e mistério, da Editora Ibis Libris, obra que tem como fonte de inspiração os temas do aclamado Toi et Moi do poeta francês Paul Géraldy.
O desejo de transportar os temas de Géraldy como fonte de inspiração para Theo & May surgiu enquanto dedilhava a 22ª edição de Toi et Moi, com tradução de Guilherme de Almeida. Mas as semelhanças com o livro do poeta francês se restringem exclusivamente a seus tópicos. A nova obra de Rita Moutinho é totalmente autoral e conta a história de dois fazendeiros de café, ela poeta, ele músico, que nasceram em 1919 e morreram em 2002.
“Sem ler o livro – para não me influenciar – peguei os tópicos abordados por Géraldy e criei dois sonetos para cada, um escrito por May e outro com Theo como autor. Precisei mapear o perfil deles e a história a ser contada para dar conta de todos os tópicos. Não é, de forma alguma, uma tradução. Os temas de Toi et Moi foram apenas motes para um livro autoral”, explica. A cada obra publicada, a autora vem cultivando com desenvoltura cada vez maior o versilibrismo e a forma fixa, especialmente sonetos, bebendo com total propriedade na tradição e tentando dar a eles um toque de modernidade e leveza.
Difícil rotular Theo & May em uma única definição. Ele é um livro de poesia, sim, mas com toques de romance, já que os sonetos passeiam ao longo da vida dos dois personagens. Na visão da autora, a obra também pode ser considerada um romanceiro, com conjunto de poesias escritas por poeta culto, tendendo ao gosto popular que encerra uma verdadeira narrativa. Mas, antes de tudo, Theo & May deve ser visto como um livro de poesia epistolar, com 66 sonetos-cartas, ou bilhetes, trocados pelos personagens durante sua vida em comum, apesar de viverem sob o mesmo teto.
“Ele funciona como um romance de amor e mistério, quis elucidar um dos enigmas propostos. Mas o livro tem um enigma maior, cujo indiciamento é muito pequeno e que não revelo. O mistério elucidado vai sendo descrito ao longo do livro e precisaria de um desfecho, pelo menos gosto de livros policias em que o mistério se elucida”, diz.
A passagem do tempo na vida dos personagens, e contada a partir dos tópicos originais do livro de Géraldy, fala a respeito de sentimentos humanos como traição, resignação, solidão e envelhecimento, entre outros. Rita Moutinho ressalta que foi preciso estar atenta à psicologia dos personagens respeitando os traços de personalidade que criou para eles. “Esses temas certamente falarão à vida de cada leitor. O trabalho de pesquisa foi muito importante para não haver falhas históricas, já que o livro atravessa um grande período de tempo. Os sentimentos são universais e atemporais, mas tomam feições diferentes, acho, ao longo de quase um século”.
Grande admiradora de Machado de Assis, do Machado ficcionista – considerado por ela o maior mestre – e do Machado poeta, parnasiano, revela-se muito atenta ao perfil psicológico do sujeito lírico, no caso de Theo & May, personagens de sua obra. “Não querendo, de maneira alguma comparar meu livro a D. Casmurro, obra prima insuperável. Mas também apresento um grande enigma em meu livro”.
Para Fernando G. Carneiro, que assina a orelha de Theo & May, Rita Moutinho é dona de técnica apurada e riqueza vocabular. “Com Theo & May temos uma brincadeira séria. Um “romance” de ciclo completo de um casal. Ainda assim, Rita utiliza-se da melhor dicção para manter os sonetos despojados. A vida de Theo & May, entre baforadas de cachimbo, leituras, música, o som da relva ao vento e pássaros sibilantes numa serra ficcionada, nos leva a uma síntese pastoral. Não importa aqui o agudo, corpos salgados, cavalgadas, carnes entrelaçadas. E sim a toada toante. O agudo é a tônica. Aonde mesmo o amor enlevado e ardente inicial já é um amor de companheirismo e camaradagem. São sonetos de romance. Que nos levam a matutarmos sobre a engenhosidade da autora e aos bemvindos longos espasmos de calmaria do pós-amor. Isso nesses frenéticos tempos eletrificados. A carga ionizada numa pulsão de energia rítmica dessas páginas se encarregará de recarregar a bateria do leitor”.
Rita Moutinho escreveu seu primeiro poema aos 10 anos. Idade em que já era uma pequena leitora voraz de poesia. Mas foi somente aos 24 que se sentiu apta a publicar um livro de poemas, quando a Editora José Olympio lançou A Hora Quieta. A autora confessa que renega um pouco o primeiro livro. Como não se relacionava com poetas de sua geração, não se encaixava na poesia marginal que se escrevia naquele período. “Não conhecia quase nada da arte poética. Mas o livro é o que tinha que ser: uma poesia se anunciando numa suave filosofia”. Entre os livros preferidos em sua obra estão Vocabulário: Um Homem, Sonetos dos Amores Mortos e Psicolirismo da Terapia Cotidiana.
O processo criativo de Rita Moutinho nasce das primeiras palavras que escolhe como ponto de partida e das imagens que a autora vai desenvolvendo em sonetos. No caso de Theo & May, o fato de ter nas mãos os motes do livro do poeta francês poderia ser um trunfo a favor ou resultar em sonetos sem identidade. Mas ela soube resolver a questão com maestria. “Queria escrever uma história de amor em poesia e Toi et Moi me ajudou a detonar o meu livro, que, volto a dizer, é absolutamente autoral. Nunca me daria bem escrevendo ficção. Gosto de textos pequenos, mas foi interessante trabalhar com alguns elementos ficcionais”.
A cada tema de Theo & May é possível perceber o quanto a atmosfera criativa da autora é artesanal. E ela quem explica: “Primeiro deixo o poema fluir, fazendo uma espécie de escrita automática. Leio o poema inúmeras vezes em voz alta até o considerar totalmente “redondo”. Confesso que rabisco um bocado até atingir o que desejo e agradeço a ajuda da inspiração.
