Joaquin Torres García mostra no Rio obras influenciadas por Nova York
Bolívar Torres, Jornal do Brasil
RIO - Lá se foram mais de 30 anos do incêndio que destruiu o acervo do MAM, consumindo toda a mostra Arte agora II, com 205 quadros de pintores latino-americanos, incluindo a integralidade da fase construtivista do uruguaio Joaquin Torres García. A tragédia, sem precedentes na história das grandes coleções, foi particularmente traumática para a família de García, que perdeu nada menos do que duas décadas de criação de um dos principais artistas do continente. A partir de sábado, seus bisnetos Jimena Perera e Alejandro Díaz organizam a primeira exposição individual dedicada ao mestre uruguaio no Rio desde o fatídico 8 de julho de 1978. Em cartaz na Caixa Cultural, a mostra Torres García Traços de Nova York traz 150 trabalhos inspirados na agitação da Grande Maçã, onde o artista morou no início dos anos 20, como aquarelas, brinquedos, anúncios publicitários e capas de livros.
Desilusão e mercantilismo
Muitas dessas obras, como as aquarelas, nunca foram expostas fora do Uruguai informa Jimena, curadora da exposição e diretora do Museu Torres García, de Montevidéu, lembrando com tristeza o episódio do MAM: A verdade é que, para nós, foi muito doloroso. Um patrimônio imenso da família se perdeu. Já se passaram 30 anos e ainda recordamos o episódio com muita dor.
Os 150 itens incluem expressões variadas. Além das aquarelas e dos brinquedos, encontram-se óleos, colagens, diários ilustrados, estudos a lápis e aquarela, páginas originais do álbum Aquarelas de Nova York e desenhos do livro Historia de mi vida.
Todos refletem o impacto de Nova York na vida e obra de García, que deixou Barcelona em 1919 com altas expectativas de novas oportunidades na grande metrópole. No início, deslumbrou-se com a inquietação furiosa da cidade. Andava pelas ruas com caderno e lápis, tentando registrar a sua dinâmica e atmosfera peculiar, suas luzes intensas, sua agitação e movimento constante são desenhos de carros, pedestres, neón, cartazes luminosos...
A Grande Maçã parecia ser o cenário ideal para as inclinações estéticas de Garcia, um dos primeiros artistas a estabelecer uma intrínseca relação plástica com os grandes centros urbanos. Contudo, o uruguaio desencantou-se com a lógica mercantilista de Nova York.
Aos poucos, ele viu que não tinha sintonia com a cidade conta Jimena. Ele viu como Nova York era movida pelo dinheiro, o business e os homens de negócios. Achou que um artista não conseguiria criar num lugar tão caótico e estressante. Essa desilusão de certa forma se incorpora a sua arte: por causa dela, sua obra se torna mais abstrata, com uma separação da linha e da cor numa quantidade de trabalhos magníficos.
A mostra ainda apresenta uma sala onde se poderá ver vídeos com fotos da cronologia do artista, além de documentos sonoros raros de sua voz. Uma das paredes do espaço de exposição aparecerá pintada com a cor alaranjada que prevalece nos desenhos do período.
É uma cor especial, que só ele usava em suas aquarelas explica a artista plástica Fernanda Terra, curadora-adjunta da mostra. A aquarela difere da maioria dos trabalhos que ele fazia para sobreviver em Nova York, como os retratos, e as cenografias para a Broadway. Naquela época, já era uma cidade muito cara de se viver e ele buscava todo o tipo de oportunidades, tentando vender seus quadros para os principais galeristas de lá.
Desmontar é criar
Para sobreviver, García entra na indústria de brinquedos e cria a Alladin Toy Company. A ideia é fabricar produtos que ajudassem a educar plasticamente as crianças. A criança aprende brincando. O jogo, para ela, é um exercício de múltiplas experiências e atividades de criação e descoberta. De conhecimento das coisas e de si mesma , diz o artista, em uma gravação antiga para o vídeo Alladin, que será exibida na exposição.
Os juguetes de arte , como o uruguaio costumava chamar, eram construções geométricas articuladas em várias peças, que podiam ser montadas e remontadas de várias maneiras. Expostos na mostra, mostram sua relação especial com a madeira e dialogam com experimentações artísticas realizadas em outras obras.
Muitas das suas propostas estéticas aparecem também nos brinquedos explica Jimena. A cor usada remete à das aquarelas, por exemplo. Os brinquedos tinham que ser desmontáveis porque, segundo ele, era no ato de destruir que as crianças acabavam criando. Havia uma relação entre arte e os brinquedos, eram projetos didáticos. Infelizmente, a fábrica foi incendiada em 1921, acabando com seu sonho de distribui-los nos Estados Unidos.
>> Em cartaz
Torres García Traços de Nova York
Caixa Cultural (galerias 2 e 3): Avenida Almirante Barroso, 25 Centro (2544-4080). A partir de 1º de maio. 3ª a sáb., 10h às 22h. Domingo, das 10h às 21h. Entrada franca. Até 13 de junho.
