Crítica: Adaptação de Charlie e Lola pautada pela ótica das crianças

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Ricardo Schöpke, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - O Brasil é hoje uma das maiores referências no teatro para a infância e juventude. Poucos países no mundo apresentam tantos projetos de qualidade feitos especialmente para este público específico. Na maioria dos teatros da Europa não existem espetáculos feitos para as crianças, mas sim montagens de importantes textos da dramaturgia mundial realizadas para todas as idades, que assim se tornam acessíveis às plateias infantis.

Idealizado pelos apresentadores Angélica e Luciano Huck, após assistirem no Polka Theatre em Londres o espetáculo Charlie and Lola's bestet best play, está em cartaz no novo teatro do Rio, o Espaço Riosul Cultura e Entretenimento, o espetáculo de bonecos Charlie e Lola, a peça Da TV para o teatro, que vem preencher a lacuna dos poucos trabalhos feitos para as crianças pequeninas no teatro infantil carioca e brasileiro.

Inspirado na animação homônima que, por sua vez, é baseada nos premiados livros da escritora inglesa Lauren Child produzida pela Tiger Aspect Productions para a BBC, a peça conta a história dos dois irmãos e a maneira como eles encaram os pequenos desafios enquanto descobrem coisas novas em suas aventuras. Sem a presença dos pais, os irmãos buscam entender o mundo enquanto aprendem a importância da família e dos amigos.

Charlie é um menino de 7 anos que adora jogar futebol e desenhar seus próprios foguetes e carros de corrida. Está sempre acompanhado por Lola, sua irmãzinha de quase 5 anos. Lola é independente, simpática e segura de si. Não vive sem leite cor-de-rosa e odeia tomate. Ela sempre sabe o que quer, mas nem por isso deixa de se meter em apuros. Para ajudá-la, seu irmão utiliza constantemente à lógica e seu senso de humor.

A temática do espetáculo, abordada através de quadros livres e independentes entre si, apresenta questões que acompanham as crianças pequenas no seu cotidiano. Arrumar o quarto, brincar com o irmão, tomar banho, ter medo do escuro, ler e criar amigos e monstros imaginários.

O mais curioso disso tudo é que toda a história é vivida pelas crianças Charlie e Lola e pelo amigo Soren Lorensen que só existe na cabeça da menina. A peça não apresenta nenhuma figura dos pais ou de outro adulto, uma forma interessante de penetrar no mundo das crianças a partir do ponto de vista delas, de suas ações, reações, e principalmente de como cada uma delas resolvem os assuntos de seu o cotidiano.

A viabilização do projeto no Brasil, uma parceira entre o teatro inglês Polka e a recém-criada Aventurinha braço infantil da produtora Aventura não teve a intenção de adaptar as histórias para a cor local, e optou claramente em manter toda a construção lógica do desenho animado inglês e da educação europeia e inglesa. Na Inglaterra, as crianças são tratadas com uma independência fora do comum no plano escolar e familiar, e com pouco paternalismo e dependência, algmuito comum nos povos latinos. Com 16 anos os jovens ingleses já saem de casa para trabalhar ou mudam e cidades, ou até de país, para cursarem a sua universidade. E iniciam assim um novo ciclo de vida. Neste contexto é muito mais fácil entendermos o universo independente de onde são criadas as crianças Charlie e Lola.

A direção é do inglês Roman Stefanski diretor da montagem original em Londres que veio ao Brasil por duas ocasiões para poder dirigir a versão brasileira. Coube a Stefanski transportar ao universo brasileiro a sua competente criação inglesa, e por concordar também com a opção do uso da voz em off. dos dubladores brasileiros da série exibida na Discovery Kids: Daniel Figueira (Charlie) e Bianca Alencar (Lola). O expediente do uso das vozes gravadas, utilizada pela direção do espetáculo, também é correto. É uma prática muito comum no teatro de bonecos e de animação mundial. A direção resolveu trabalhar também com elementos sensoriais onde podemos ver e sentir pétalas de flores e bolinhas de sabão invadirem, em determinados momentos, toda a plateia. As crianças e os adultos ficam encantados com estes efeitos surpresa.

Manipulação correta

Todo o espetáculo é realizado por bonecos, especialmente confeccionados em Londres em 2D assim como na ilustração original e com projeção de imagens. E é pontuado pela trilha sonora composta por Tom Dyson e Soren Munk e com arranjos originais de John Gresswell. A bela luz é executada por Wagner Freire. A manipulação dos bonecos, que mexem cabeça, olhos, braços, mãos, pernas e pés, é executada com eficiência pelos atores/manipuladores Anderson Clayton, Natalia Kwast, Marco Barreto e Regina Arruda. Todos os movimentos estão corretos e eles imprimem em suas máscaras faciais expressões de neutralidade, fundamental para que os bonecos se sobressaiam em sua simplicidade e para que contem com clareza as histórias vividas pelos irmãos ingleses.