A última moda da França: os filmes sobre Chanel
Carlos Helí de Almeida, Jornal do Brasil
RIO - Não é difícil entender a admiração de Anne Fontaine por Coco Chanel (1883-1971). Assim como a estilista que virou um mito da alta costura mundial, a diretora francesa (nascida em Luxemburgo) conseguiu tomar as rédeas da carreira em um mundo dominado por homens. A grande diferença é que a personagem que inspirou Coco antes de Chanel, novo filme da diretora de 50 anos, que chega aos cinemas brasileiros na próxima sexta-feira, avalizado pelo rosto internacional de Audrey Tautou (O fabuloso destino de Amélie Poulain), o fez quase um século atrás, quando as mulheres ainda lutavam contra a opressão física e simbólica dos espartilhos.
Estive tão acostumada a controlar tudo a meu respeito, meu corpo, meu pensamento, minhas ações, que passei rapidamente de bailarina a atriz, depois a roteirista e, incapaz de ver outra pessoa dirigindo um texto meu, a diretora comenta Anne, em entrevista ao Jornal do Brasil. Desde muito jovem admirava a personalidade de Coco, sua determinação e ambição. É extremamente difícil alguém escapar do mundo em que nasceu, mas ela conseguiu. Eu preciso encontrar alguma afinidade pessoal com a história que pretendo filmar, caso contrário fica impossível contá-la.
Dona de uma vida marcada por pequenas e grandes tragédias, conquistas profissionais extraordinárias e incontáveis casos de amor, Coco Chanel rendeu material para diversas biografias. Lilou Marquand, uma de suas últimas assistentes, escreveu Chanel m'a dit, sobre os últimos anos de convivência ao lado da patroa que revolucionou a moda feminina. Paul Morand é autor de L'allure de Chanel, que tenta decifrar a personalidade da criadora de uma das grifes mais duradouras e valiosas do planeta. Em Coco & Igor, o escritor Chris Greenhalgh detêm-se no suposto romance entre a estilista e maestro russo Igor Stravinsky, livro que serviu de base para o filme dirigido pelo holandês Jan Kounen, ainda inédito no Brasil.
Quando as circunstâncias se tornaram favoráveis a um projeto envolvendo o nome de Chanel, Anne, no entanto, preferiu recorrer à biografia A era Chanel, da escritora Edmonde Charles-Roux. O livro levanta a infância miserável da estilista, nascida Gabrielle, entregue pelo pai a um orfanato administrado por freiras, onde teria aprendido a a costurar, até se transformar na jovem rebelde e na empresária visionária que viria a sacudir os padrões de comportamento da Belle Époque.
O que me interessou na trajetória de Coco Chanel foi justamente a fase da juventude, antes de se tornar uma figura famosa, quando ela já exibe um estilo todo próprio. Esses anos foram determinantes na maneira como ela iria se comportar numa época em que as mulheres eram mais submissas. Tudo isso me pareceu muito romântico, mesmo não sendo intencional esclarece a diretora, cujos filmes costumam explorar a tensão entre os sexos. O fato de essa mulher especial tratar-se de Coco é apenas um bônus numa história como essa. Porque tudo o que se refere ao relacionamento homem e mulher é fascinante.
Curiosamente, os americanos foram os primeiros a capitalizar o magnetismo de Coco Chanel. Em 1969, dois anos antes de sua morte, a estilista foi tema de um espetáculo da Broadway, interpretada por outra rebelde, Katharine Hepburn. Antecipando-se ao modismo cinematográfico, a TV americana Lifetime lançou ano passado o telefilme Coco Chanel (2008), no qual a eslovena Barbara Bobulova e Shirley MacLaine se revezam, respectivamente, nas fases jovem e matura da modista. A atriz americana chegou a ganhar uma indicação ao Emmy, o Oscar da TV, pelo papel. Quando os franceses começaram a correr atrás do prejuízo, a biografia de Chanel tinha virado moda entre os produtores.
Com certeza, os Oscar conquistados por Piaf Um hino ao amor (2007), sobre a vida da cantora Edith Piaf, ajudaram a aumentar o interesse por cinebiografias de personalidades na França acredita Anne. Acho que eu não teria conseguido fazer Coco antes de Chanel não fosse a atenção que o filme de Olivier Dahan recebeu.
Assim também pensa Kounen, que optou pela modelo e atriz Anna Mouglalis para encarnar a estilista em Coco Chanel & Igor Stravinsky, que encerrou o Festival de Cannes, fora de concurso, em maio. Quando o diretor foi convidado para assumir o projeto capitaneado pelas produtoras francesas Wild Bunch e Canal+, o tema Coco Chanel já era um nome quente no mercado cinematográfico. O holandês diz, no entanto, que a corrida para ver quem colocaria primeiro sua versão nos cinemas só lhe trouxe benefícios. O nome mais comercial do filme de Kounen é o dinamarquês Mads Mikkelsen, o vilão de Cassino Royale (2006).
O fato de haver outro filme sobre Chanel a caminho nos foi favorável, porque estimulou os produtores a levantar recursos mais rápido, antes da economia entrar em colapso no ano passado explicou Kounen, em Cannes. Coco Chanel & Igor Stravisnky não é uma cinebiografia tradicional, com grandes estrelas internacionais. É um filme belo e frágil, falado em francês e russo, e qualquer crise financeira teria matado um projeto como esse.
Criadora de um reinado
de bom gosto imbatível
Iesa Rodrigues
Fazer um filme sobre Chanel é quase um exercício de ficção, já que a estilista reunia a genialidade com um temperamento misterioso, cheio de fantasia. Nem a equipe da Maison ou da grife, hoje de propriedade de uma família canadense, leva muito a sério as histórias que correm sobre a vida pessoal da fundadora da marca.
Nunca se sabe o que é verdade ou mentira. Se era órfã ou foi abandonada, se cantava em cabarés ou se prostituía quando jovem, tudo acabou formando uma aura lendária em torno de seu nome , comentam as assessorias, bem-humoradas. Mas ninguém nega a importância da pequena Gabrielle Chanel o apelido Coco veio de uma música que cantava no tal cabaré na evolução da moda.
Ela acabou com o reinado dos espartilhos e das roupas espalhafatosas, inspiradas em figurinos de ballet. Trocou os tecidos suntuosos, acessíveis a uma minoria, pelas malhas e jérseis até então usados apenas em roupas íntimas. Quando começou a frequentar as casas de campo dos amantes milionários ingleses, tirou das selas dos cavalos a inspiração para a bolsa 2.55, o modelo matelassê, de alça de correntinha que continua em moda desde 1955. Como não tinha roupas para enfrentar o frio destas temporadas britânicas, usava os paletós dos namorados. Destas roupas de tecidos grossos usadas nas caçadas, saiu o famoso tailleur de tweed, marca registrada da grife, até hoje reinterpretada pelo alemão Karl Lagerfeld, que assina as coleções desde 1983. Para facilitar a vida das mulheres, ela inventou o vestido preto, que logo ficou conhecido como o pretinho básico .
A menina pobre aprendeu a fazer chapéus e a costurar com freiras, sonhou com um futuro milionário e conseguiu criar um reinado de bom gosto imbatível. Sabia combinar a simplicidade com o luxo, cobria seus modelos com misturas de jóias e bijuterias. Quando decidiu lançar um perfume, nos anos 20, fez o Chanel nº 5, um mito até hoje.
Como estilista, foi original; como empresária, brilhante. Tanto que, das Maisons parisienses, Chanel é a única que se mantém fora dos grupos empresariais. E faz os desfiles mais emblemáticos das semanas de moda do mundo.
