Com charme e muito veneno
Ricardo Schott, Jornal do Brasil
RIO - Falastrão, conquistador, polêmico e dono de múltiplos talentos,
Ronaldo Bôscoli é relembrado em documentário e biografia sem meias-verdades: Ele falava mal de todo mundo , diz o escritor Denilson Monteiro
Multihomem da MPB (foi escritor, produtor, lançador de talentos, jornalista e, durante um bom tempo, exerceu a função de assessor de imprensa da bossa nova), o carioca Ronaldo Bôscoli (1928-1994) teve seu aniversário de 80 anos pouco lembrado em meio às comemorações dos 50 anos da bossa, no ano passado. Ficou tudo para o ano que vem: as músicas inesquecíveis e os casos impagáveis protagonizados por Bôscoli estão para receber dois tributos até o começo de 2010. Um deles é o documentário Ronaldo Bôscoli Se é tarde me perdoa, dirigido pelo próprio filho do compositor, o jornalista Bernardo Bôscoli, 30 anos. O roteiro está sendo feito por Bernardo com o escritor e pesquisador Denilson Monteiro, autor de Dez! Nota dez! Eu sou Carlos Imperial, sobre a vida de outro famoso ser multimídia da MPB (2008) e responsável pela pesquisa do livro Vale tudo O som e a fúria de Tim Maia, de Nelson Motta (2007). Denilson também prepara uma biografia de Bôscoli, ainda sem título, que está sendo conversada com editoras. O projeto do longa pode ser conferido no site www.ronaldoboscoli.com.br.
Amigo de uma enormidade de músicos e artistas, compositor com número variado de parceiros e conquistador que teve em seu currículo cantoras como Maysa, Elis Regina e Nara Leão, Ronaldo foi bem além disso da bossa nova. Trabalhou com artistas como Roberto Carlos (de 1970 a 1985, produziu os shows do Rei ao lado de Miéle) e Wilson Simonal (com quem fez Tributo a Martin Luther King).
Já relacionamos cerca de 70 pessoas para entrevistarmos. A dificuldade é conseguirmos imagens. Apesar de termos muita coisa da Globo, Ronaldo era um homem dos bastidores, quase não aparecia na frente das câmeras diz Bernardo, que deixará os grandes amigos do pai bem próximos da realização do filme. Miéle e Roberto Menescal estarão na produção. Nossa ideia é que tenhamos também o Hugo Carvana e o Carlos Manga, de quem ele foi bem próximo.
O diretor deseja inserir uma parte dramatizada no longa. Mateus Solano, que interpretou Ronaldo na minissérie Maysa - Quando fala o coração é o mais cotado para o papel principal.
Vamos contactá-lo adianta Bernardo, que não se abala com o fato da minissérie ter mostrado um Bôscoli interesseiro, que se aproximou de Maysa pensando em ter suas canções gravadas. O ator foi muito feliz na interpretação. Suas atitudes podem até não ter sido injustificáveis, mas ele era uma pessoa difícil. Todos sabiam disso.
Denilson anima-se com os casos que vem recolhendo. Por intermédio dos poucos amigos de infância de Bôscoli que ainda estão vivos, descobriu que a picardia do compositor começou cedo.
Aos 11 anos, ele já tinha um jornalzinho no qual assinava os textos como Veneno , porque os amigos brincavam que se ele mordesse a língua morreria envenenado. Quem saísse de uma rodinha na qual ele estava, já sabia que ia ficar com a orelha ardendo, porque ele falava mal de todo mundo brinca o escritor.
Entre uma história engraçada e outra, vê sobressair o enorme talento de Ronaldo. Mas ressalta:
Ele também era um sacana no trabalho. Quando produzia shows no Beco das Garrafas, botou o (bailarino) Lennie Dale para dançar segurando um cacho de bananas, só para rir dele. Chico Batera, que me contou essa história, lembrou que, dias antes, Ronaldo o fizera subir no palco vestido de Charlie Chaplin. E pensou: Será que ele estava me sacaneando?
A importância de Bôscoli para as carreiras dos artistas com quem trabalhou aparecerá bastante nos dois projetos. Elis, que chegou a ser orientada por ele até no figurino e no corte de cabelo, é a principal, claro. Mas ainda há Roberto Carlos que, mesmo avesso a entrevistas, está na agenda dos dois roteiristas. O Rei chegou a compor uma música com ele, Procura-se, de 1979.
Meu pai transformou o Roberto num Frank Sinatra, seu ídolo. Logo no primeiro show, em 1970 (Roberto Carlos a 200 km por hora, no Canecão), eles já colocaram uma orquestra no palco. Houve um antes e depois aí ressalta Bernardo, que apesar de ter perdido o pai aos 15 anos, lembra de uma convivência intensa. Depois de se separar de minha mãe, ele continuou morando no mesmo prédio que eu. Conversávamos muito. Fui conhecer muita coisa de sua música depois que ele morreu. Mas pude ouvir muitos casos dele por intermédio de seus amigos.
O lado polemista durou quase até o fim da vida, quando mantinha uma coluna no jornal Última Hora e continuava falando mal de quem quisesse. Em 1985 chegou a comprar briga com os Titãs, banda que passou a pichar após a prisão dos músicos Arnaldo Antunes e Toni Bellotto por posse de heroína. A banda respondeu inserindo-o em Nome aos bois, de Jesus não tem dentes no país dos banguelas (1987), cuja letra reúne nomes de fascistas.
Ronaldo nem se abalou. Disse a amigos que tinha falado mal mesmo da banda e que eles tinham o direito de responder. Só reclamou de ter sido colocado junto com um monte de assassinos na letra. Dizia: Pô, eu não sou assassino! diverte-se Denilson Monteiro.
