Tereza Rachel deixa o breu na novela "Caras & bocas"

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Daniel Schenker, Jornal do Brasil

RIO - É com um antigo projeto a montagem de Celestina, do espanhol Fernando de Rojas, que tem previsão de estreia para 2010 que Tereza Rachel prepara-se para encerrar um longo período de (quase) ausência. Nos últimos anos, a atriz, uma das mais importantes do país, vem sendo vista com menos frequência no teatro, no cinema e na televisão. Depois de participar em 2008 de Alice, minissérie que se destacou na programação da emissora a cabo HBO, dirigida por Sergio Machado e Karim Aïnouz, Tereza gravou participação de alguns capítulos em Caras & bocas, atual novela das 19h da TV Globo, escrita por Walcyr Carrasco. A montagem do texto de Rojas, a ser produzido pela própria atriz, passa pelos percalços já conhecidos pelos batalhadores dos palcos.

Hoje em dia, é mais difícil escalar um elenco para teatro. Os atores querem as garantias oferecidas pela televisão diz Tereza. Antes, fazíamos teatro empregando nossos próprios recursos. Atualmente, os empresários preferem gêneros como o musical.

Um clássico de 1499

Em Celestina, Tereza interpretará o papel-título, uma mulher que, na Espanha medieval, mantém um bordel. Escrito em 1499, o texto é reputado como um dos maiores clássicos da dramaturgia ibérica. Na nova montagem, a atriz retomará o contato com o diretor Jorge Lavelli, que a conduziu na bem-sucedida montagem de A gaivota (1974), de Tchekhov.

Conheci Lavelli durante o período de um ano em que estudei em Paris. Uma amiga brasileira me levou para ver um espetáculo dele, realizado a partir de Jean Tardieu, e nós nos aproximamos explica.

O anunciado retorno da atriz aos palcos é festejado pelos colegas de classe. José Renato, que a dirigiu em espetáculos como Boca de Ouro, comemora:

Tereza deveria ter retornado há bastante tempo. Não são muitas as atrizes dotadas de uma voz forte e expressiva como a dela. É uma profissional completa, capacitada para o drama e para a comédia.

Amir Haddad, que conduziu Tereza em outro espetáculo até hoje lembrado, Tango (1972), do polonês Slawomir Mrozek, também está celebrando.

Uma intérprete como ela tem lugar de grande importância na história do moderno teatro brasileiro assinala. Gosta de arriscar grandes textos. Além de Tango, chegamos a começar um outro trabalho, a encenação de Vagas para moças de fino trato, de Alcione Araújo, mas infelizmente ela precisou se afastar por problemas de saúde.

Quem, como Haddad ou Renato, sentia saudade da atriz pôde se consolar com suas recentes aparições televisivas. Para fazer Alice, Tereza mudou-se para São Paulo, onde morou por dois meses.

Gostei muito dessa participação. Interpretei uma cantora sessentona e meio hippie lembra.

Já na história de Walcyr Carrasco, a atriz integrou o núcleo de personagens judaicos.

Também sou judia e aproveitei para fazer a personagem usando um sotaque que me é bem familiar conta ela, que, apesar de sua origem, até hoje nunca pôs os pés em Israel.

Apesar de ter feito outros papéis marcantes na TV (como a rainha Valentine da novela global Que rei sou eu?, de 1989), o teatro sempre foi o lar da atriz de 73 anos. A metáfora virou quase realidade quando ela abriu o Teatro Tereza Rachel, localizado numa galeria de Copacabana, durante a década de 70. Só conseguiu comprar o imóvel em 1986, mas permaneceu à frente dele durante 27 anos.

Chamavam o teatro de Terezão por causa do seu tamanho. Espetáculos históricos passaram por lá, como o show Gal a todo vapor, de Gal Costa, e o último espetáculo de Dalva de Oliveira evoca.

Outro feito a ser comemorado é o Prêmio Molière, recebido por seu trabalho na montagem de A mãe (1971), de Stanislaw Witkiewics, a cargo do diretor Claude Régy que desembarcou no Brasil a convite da própria atriz.

Vi a encenação de Régy em Paris e fiquei impressionada. Procurei-o e lancei a proposta de dirigir uma versão brasileira relembra.

Tereza trabalhou com alguns dos mais relevantes encenadores em montagens emblemáticas. Ainda no início da carreira, foi dirigida por Henriette Morineau e pelo temido Paulo Francis, em O telescópio (1957), de Jorge Andrade.

Como diretor, Francis era muito exigente. Mas também era inegavelmente competente. É uma figura que faz falta no cenário político atual opina.

Enfrentando Castelo Branco

Integrou os quadros do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), já na fase final do empreendimento capitaneado pelo industrial italiano Franco Zampari; migrou para a companhia Tonia-Celi-Autran (participando da versão de Adolfo Celi para Ilha das cabras, de Ugo Betti, em 1958) e desembocou em montagens de textos brasileiros de autores como Nelson Rodrigues (Boca de ouro, em 1961), Dias Gomes (Berço do herói, em 1965), além do histórico Liberdade, liberdade (1965), de Flavio Rangel e Millôr Fernandes.

Viajamos pelo Brasil com Liberdade, liberdade, até o espetáculo ser proibido no Rio Grande do Norte diz Tereza, trazendo à tona o Brasil de Humberto de Alencar Castelo Branco (1897-1967), o primeiro presidente do regime militar instaurado pelo golpe de 1964.