O passado de ostra da Grande Maçã

Por

Bolívar Torres, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Até os primeiros anos do século 20, quem vinha a Nova York não podia deixar de experimentar suas ostras, consideradas então as melhores do mundo. Desde as origens da cidade, a concha único alimento que se come vivo cumpria um papel essencial na alimentação e comércio. Barata, mas consumida por ricos e pobres, era fácil de ser extraída do estuário, sendo vendida na rua ou até em restaurantes do tipo coma tudo o que você aguentar . Aos poucos, porém, os abundantes recursos naturais foram minguando, até o fechamento das últimas reservas, em 1927. A epopéia do molusco, com seu início, auge, decadência e fim é contada pelo jornalista e escritor americano Mark Kurlansky em A grande ostra. No livro, o autor dos best-sellers 1968: o ano que abalou o mundo e Bacalhau: a história do peixe que mudou o mundo parte de um princípio radical: a história de Nova York é a história de suas ostras. E de como a cidade as perdeu.

Quando as pessoas pensavam em Nova York, elas pensavam em ostras diz Kurlansky, em entrevista por telefone, de Nova York, ao Jornal do Brasil. É interessante analisar como isso mudou em poucos anos.

Kurlansky nos leva até os tempos em que, muito antes da chegada dos europeus, no século 16, os índios Lenapes já eram ávidos consumidores de ostras. A natureza se mostrava de forma exuberante na cidade, enquanto holandeses e ingleses estabeleciam relações tensas com os nativos. Não demorou muito para que o molusco se tornasse a principal fonte econômica da cidade, e seu melhor produto de exportação. Em 1860, 12 milhões de ostras foram vendidas nos mercados nova-iorquinos, numa produção que chegava a 700 milhões de unidades por ano. O autor dá uma ideia do que era a cidade no auge do comércio das ostras.

Havia barracas por toda a cidade, tão comuns como são hoje as carrocinhas de cachorro-quente: na rua ou em pequenos quiosques com janela, por onde as ostras eram entregues ao freguês, sobretudo ao longo do East River. As ostras custavam US$ 0, 01; um ensopado de ostras, US$ 0,10.

Fim do Éden

As ostras também desempenhavam uma outra função esta infelizmente pouco valorizada pela população da época. Se deixado em paz, o molusco passa a vida sugando a água do mar, extraindo seus nutrientes e depois se livrando dela. Com isso, tratava a água local. Sua superexploração significou um agravamento da poluição dos rios.

O livro mostra como Nova York, assim como outros centros urbanos, acabaram com seus ambientes naturais diz Kurlansly. Mas é sempre assim, vejo com os peixes: as pessoas só começam a estudar uma espécie quando ela começa a desaparecer. No caso de Nova York é especial, pois a cidade realmente apresenta uma natureza exuberante, e é só ver como até hoje certos lugares são tomados pelo verde quando abandonados.

Falta de planejamento

Para Kurlansky, a única coisa que os nova-iorquinos ignoram mais do que a história é a natureza . E o que a população atual esquece é que sua cidade só se tornou o que é graças ao estuário de Hudson, um enorme e interligado sistema de fluxo e refluxo de marés que envolve também Nova Jersey e Connecticut. Já no século 18, sabia-se que o Éden tinha seus limites mas a ânsia pelo dinheiro falou mais alto. A epopéia das ostras é também o relato de como a metrópole perdeu sua conexão com a própria água limpa e saudável que construiu a sua glória.

Nova-iorquinos estão sempre falando em deixar a cidade e ir para o mar, mas o mar está lá na sua frente, dá para ver da janela de seus apartamentos lembra Kurlansky. Antigamente, a relação com o mar era muito maior. Velejava-se e pescava-se. Hoje, não se tira mais a comida de lá.

Como todas as sociedades, um traço forte da identidade nova-iorquina seria o de lidar com as consequências e não planejar e prevenir.

Muitas pessoas com títulos de planejamento urbano se aproximaram da cidade, mas a verdade é que os planejamentos sempre aconteceram como uma reação a coisas que já estavam ocorrendo analisa o escritor.

Mesmo não fazendo mais parte do pathos nova-iorquino, o molusco continua sendo apreciado pela população.

Não se come tanto quanto no século 19, mas é certo que o consumo cresceu nas últimas duas décadas. A ostra virou popular novamente, só que agora são caras, porque precisam ser importadas. Em Nova York, elas continuam crescendo, mas como a água é repleta de produtos químicas, não seria muito saudável comê-las.