Começaria tudo outra vez
Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Ricardo Schott
Antes de existir Paulo Ricardo, baixista, cantor e sex symbol da banda RPM, havia Paulo Ricardo Medeiros, o jornalista que assinava reportagens e entrevistas sobre rock em publicações hoje descontinuadas, como Canja, Fonograma e SomTrês. Uma faceta bem menos lembrada do que seu trabalho com o grupo, que ultrapassou os 2 milhões de discos vendidos com Rádio pirata ao vivo (1986), mas que fez a cabeça de muita gente, graças às bios e minipôsteres que Paulo fazia de grupos e álbuns clássicos. E que agora retorna graças ao novo projeto extra-música do cantor. É o talk show diário Blend Café Journal, apresentado por ele e dirigido por Paulo Trevisan, que está sendo negociado com estações de TV.
O programa tem como cenário o restaurante paulistano Café Journal, em Moema. E surgiu por iniciativa dos donos da casa, que desejavam algo para hypar o lugar e procuraram o diretor de televisão Paulo Trevisan para conversar.
Sem reinventar a roda
Conheço Trevisan desde os anos 80, quando dirigiu os clipes do RPM no Fantástico, e ele sugeriu meu nome afirma o de novo jornalista. Vamos aproveitar o clima do lugar e fazer um programa descontraído. Nosso plano é ter uma definição de canal até o fim do mês.
No piloto, Paulo Ricardo dividiu-se, por dias, em temas como moda, mercado publicitário, música e cinema, entrevistando pessoas como a promoter Alicinha Cavalcanti e a modelo Ana Gequelin, da Elite Models. Apesar de o talk show já estar na medula da TV brasileira, crê ter seu lugar.
Não tenho a preocupação de ser um novo Jô Soares. Nem vou ficar de olho no Ibope afirma. Mas acho, como telespectador, que existe espaço para mim. Nos Estados Unidos, há vários talk shows diários, todos bem-sucedidos.
Trevisan diz que a ideia de aproveitar o xará músico em alguma atração televisiva era antiga.
Sempre falava sobre isso com ele. Paulo circula muito bem sobre diversos assuntos afirma Trevisan, acrescentando que não pretende reinventar a roda. É um formato leve. E pretendemos dar espaço a toda uma nova gerações de profissionais da cultura e do entretenimento que estão por aí, mas não aparecem.
A experiência anterior de Paulo Ricardo, que chegou a cursar três anos de jornalismo na USP, aconteceu na mídia impressa. Mas, já como músico reconhecido, o cantor de Rádio pirata chegou a flertar com o jornalismo televisivo. Em 2007 cobriu um show da banda progressiva Jethro Tull para o canal Multishow. Seis anos antes, fizera uma gravação de Imagine, de John Lennon, para a trilha da novela Estrela guia e acabou entrevistando a viúva de Lennon, Yoko Ono, que havia liberado a canção para ele.
Fiz um clipe da música e pedi a meu empresário para tentarmos o Fantástico. Mas, como o programa só exibia clipes com fundo jornalístico, falei, de brincadeira: Então eu entrevisto a Yoko! recorda Paulo, que se surpreendeu quando a artista plástica deu sinal verde. Foi um conto de fadas. Dois dias depois estava eu, beatlemaníaco, em Nova York falando com ela. Ela foi um doce de pessoa, me deu uma hora e meia de entrevista.
Como prática, o jornalismo cultural entrou na vida de Paulo Ricardo em 1980, quando já tocava.
Fui fazer uma entrevista com o Claudio Nucci, no auge do Boca Livre (do qual Nucci fazia parte). Mas era para um jornal do Centro Acadêmico. Quando terminei, pensei: gente, esse trabalhão todo para fazer uma matéria para a faculdade... . Aí fui procurar emprego lembra Paulo Ricardo, que entrevistou muita gente que, posteriormente, reencontraria como artista. Falei com Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Toquinho. Isso me serviu bastante para conhecer todos os mecanismos, para desmistificar as gravadoras.
Data desse período a elaboração das célebres revistas-pôsteres com artistas de rock, que eram lançadas pela SomTrês nomes como Kiss, Secos & Molhados e Iron Maiden saíram nesse formato. Em 1983, época em que já era amigo do futuro tecladista do RPM, Luís Schiavon (com quem montara o grupo prog Aura), decidiu passar uma temporada em Londres, onde foi correspondente internacional, como free lancer. Lá assistiu a diversos shows e chegou a participar de uma excursão com o Maiden.
Eles convidaram jornalistas para ficar hospedados num hotel na Inglaterra e conversar com a banda. Cheguei a aparecer num jornal tirando uma foto do Bruce Dickinson (vocalista) recorda Paulo Ricardo, que, a partir da viagem, parou com o jornalismo e concebeu o RPM. Eu corria o risco de virar o velho clichê do crítico que é músico frustrado. Fiz uma resenha do Hot space, do Queen (1982), que eu adorava, sacaneando a banda por causa do visual do Freddie Mercury. Também precisava separar as coisas. Na época da SomTrês via críticos que eram músicos e faziam resenhas de suas bandas, com pseudônimos.
Vinicius com Radiohead
Além do jornalismo, Paulo Ricardo acena com novidades musicais. Acaba de compor, em parceria com Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura, Matar ou morrer que estará na trilha do filme Rota comando, espécie de Tropa de elite paulista, do diretor Elias Junior. E lança ainda este semestre um projeto ousado: Viva Vinicius, álbum com músicas de Vinicius de Moraes, relidas com a colaboração de Toquinho, seu amigo. Um disco que ele crê ser radical.
O violão de Toquinho é a espinha dorsal, mas está processado com reverbs e delays. Mexi em todos os lados-A: Insensatez, Garota de Ipanema afirma Paulo, que procurou fugir de clichês ao reler a bossa nova. Não vai ter drum'n'bass. A Fernanda Porto é uma referência para o que não queremos fazer. Nosso som se alinha à Bjork e ao Radiohead.
