Tarantino diz que criou personagem sob medida para Brad Pitt

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Carlos Helí de Almeida, Jornal do Brasil

CANNES - O diretor americano Quentin Tarantino, o maior reciclador do cinema de gênero, apresentou nesta quarta-feira na competição da 62ª edição do Festival de Cannes sua interpretação do que seria um filme de guerra. Mas Bastardos inglórios, o novo longa-metragem do autor de Pulp fiction Tempo de violência (1994), ganhador da Palma de Ouro que o transformou em celebridade do circuito independente, promove também uma revisão do desfecho da Segunda Grande Guerra (1939-1945). Protagonizado por um elenco multinacional, que inclui americanos (Brad Pitt), canadenses (Mike Myers), franceses (Mélanie Laurent), chineses (Maggie Leung) e inúmeros alemães (Diane Kruger, Daniel Brühl), o filme acompanha um grupo de soldados judeus americanos em ação na França ocupada pelos nazistas. O bando acaba cruzando o caminho de uma jovem judia dona de um cinema em Paris que planeja usar a première de um filme de propaganda nazista para vingar a sorte de seu povo.

O grande desfecho da história é um banho de sangue durante a primeira projeção de Orgulho da nação, uma produção do ministério comandado por Joseph Goebbles, a qual comparecem todo o primeiro escalão do Terceiro Reich, inclusive Adolf Hitler (Martin Wuttke). Diferentemente da maioria das produções americanas ambientadas em outros territórios e culturas, em Bastardos inglórios os atores usam a sua língua nativa.

As pessoas costumam me perguntar se o filme é um faz-de-conta, se representa a realização da judia (na qual o genocídio é vingado). Há, certamente, esse aspecto na história, porque meus personagens mudam o resultado da guerra. Mas, para mim, nada disso aconteceu, porque esses personagens não existiram na realidade. Mas, se tivessem existido, é bem provável, sim, que eles tivessem conseguido reverter o jogo comentou o diretor, de 46 anos, ao abrir a coletiva de imprensa que se seguiu à primeira projeção do filme.

Um roteiro e cinco garrafas

Pitt, que trouxe a Cannes a mulher, a atriz Angelina Jolie, e os cinco filhos do casal, aumentando ainda mais a carga de assédio de fãs na cidade, é o nome mais quente da produção, que será lançada nos principais territórios do planeta a partir de agosto chega ao Brasil em outubro. Mas um dos melhores personagens da trama é o coronel Hans Landa, magnificamente interpretado pelo alemão Christoph Waltz. A especialidade do militar é caçar judeus, ou seja, detectá-los entre os gentios . Seu maior dom é distinguir sotaques das mais variadas línguas.

Tarantino reconhece a importância do personagem dentro da história que criou, cuja crueldade só não é maior do que sua eficiência. O problema foi encontrar um intérprete à altura das especificidades requeridas por Waltz.

Eu me dei conta de que estava criando um personagem impressionante ainda numa fase muito inicial da escrita do roteiro. Uma das coisas mais sensacionais sobre Landa é que ele é um gênio da lingüística, um aspecto que não poderia ser minimizado durante o processo de escolha de elenco, que foi realmente difícil contou Tarantino. Comecei a procurar por atores na Alemanha, mas não conseguia encontrar exatamente o que procurava; um podia ser poético em uma língua, mas não em outra, e eu buscava um que pudesse sê-lo em todas elas.

O diretor e os produtores (entre eles Lawrence Bender, a cabeça por trás de quase todos os filmes de Tarantino) entrevistaram centenas de atores, antes de conhecer Waltz. Este só chegou para os testes quando a produção já estava à beira de ser cancelada em função do fracasso da missão de encontrar o rosto ideal para a montagem do personagem.

Houve um momento em que pensei que não iria encontrá-lo. Disse para os meus produtores: se não conseguirmos achar um ator para Landa prefiro publicar o roteiro e fazer qualquer outra coisa recordou Tarantino. Para minha sorte, Lawrence ficou tranqüilo e sugeriu que nos concentrássemos nos testes para o personagem por uma semana inteira. Foi aí que Christoph apareceu, sentou diante da câmera e leu duas cenas para nós. Lembro-me de me virar para Lawrence e gritar: Vamos fazer esse filme!

Tarantino confessa que sente orgulho de todos os personagens que criou. Mesmo que eles sejam oficiais nazistas, capazes das maiores atrocidades contra a humanidade.

Amo todos eles, sem distinção. Amo-os da perspectiva de um deus, porque fui eu quem os criou. E um deus admira a sua criação disse o diretor que, desde o início do projeto, desejava vê-lo estreando em Cannes. Sempre foi o meu objetivo. Não há lugar melhor para lançar um filme como este do que aqui. Dizem que Cannes é a Olimpíada do cinema, o Nirvana da sétima arte, o que não deixa de ser verdade. Mas o que há de mais maravilhoso sobre o festival é que, durante o período em que ele acontece, o que importa é o cinema, o que reina aqui é a paixão pelos filmes. A imprensa especializada do mundo inteiro está aqui. Faço filmes para todo o planeta e Cannes é o lugar que representa isso.

Aldo Raine, o tenente encarnado por Pitt, foi especialmente desenvolvido para o ator, o que é algo raro no processo de Tarantino.

Não costumo criar personagens com atores específicos na cabeça. O mais importante para mim é o personagem. Mas sempre encontrava Brad pelos corredores da indústria e pensava comigo mesmo: Um dia vou escrever um filme para esse sujeito . Quando comecei a criar Aldo, percebi que aquele tipo era a cara dele. Comecei a ficar nervoso com a ideia de convidá-lo para o filme.

Um dia, Tarantino tomou coragem e fez uma visita a Pitt no verão (americano) passado. Com o roteiro de Bastardos inglórius entre as mãos.

Passamos a noite inteira falando sobre filmes. Acordei na manhã seguinte e vi cinco garrafas vazias de vinho no chão. Cinco! Não sabia o que tinha acontecido recordou o Pitt. E, aparentemente, concordei em fazer o filme porque, seis semanas depois, eu estava usando um uniforme. Eu era Aldo Raine.