Ronaldo Lima Lins discute o movimento de construção-destruição
Maria Luiza Franco Busse*, JB Online
RIO - Conhecimento por quê? O mais comum teria sido perguntar: conhecimento para quê? Mas não é isso o que interessa ao resumo da reflexão que Ronaldo Lima Lins traz por meio do seu mais recente livro, A construção e a destruição do conhecimento. Dono de um conhecimento que encanta serpentes e desperta víboras, o professor de literatura e diretor da faculdade de letras da UFRJ escreve sua potente argumentação sobre a saída diante do inexorável a partir do concreto. No caso, uma literalidade. Foi observando um bloco de concreto ser golpeado pela força impensada de um operário, que Ronaldo pensou e botou nas páginas o estudo sobre o movimento da construção-destruição no campo específico da produção do conhecimento.
Para trabalhar a ideia, o autor chama velhos e eternos companheiros, porque são eles que permitem dar consistência à análise e impedir que a conclusão se desmanche no ar. Marx e Sartre forram o chão do texto que vem recheado do crème de la crème da literatura universal, tanto na área do romance quanto da filosofia e da política: Rousseau, Flaubert, Lessing, Kant, Hannah Arendt, Adorno. Tudo muito ultrapassado? Não. Tudo muito ousado. O autor fala sobre o que não se fala mais em decorrência de uma estranha mania que tomou conta do que, convencionalmente, se vem chamando de pós-modernidade, o silêncio e a indiferença sobre o essencial no mundo da vida.
Ao contrário do personagem de Edgar Allan Poe, que tem por hábito negar o que é e explicar o que não é, o professor afirma o que é. Há propósito na escrita: A vantagem dos sonhos sobrevoando os fatos em cada um dos seus passos, consiste em permitir que o pensamento se reconstrua com a argamassa do impossível, reaproveitando tudo o que sobra na passagem dos tanques da destruição. Sempre que a humanidade se viu contra a parede, pode-se reconhecer que soube devanear e que se recuperou, reconstruiu com o auxílio das fantasias a mais avessa e estéril das superfícies .
O imperativo do sonho é a chave para que não se perca, ou se retome, o que há de pessoal e intransferível em todos nós: a criatividade individual. Dito assim dessa maneira, fica parecendo livro de auto-ajuda, mas a citação dos exemplos utilizados pelo mestre desfazem o que poderia se transformar em um mal-entendido. Rousseau e Flaubert dão a mostra de como expressões individuais podem acionar acontecimentos que botam de cabeça para baixo o curso dos dias, como no caso do primeiro, em que seus escritos serviram de fundamento para os revolucionários de 1789 que criaram a república da era moderna a partir da França que sonhava com igualdade, liberdade e fraternidade.
Não menos contundente foi o criador de Ema e Charles Bovary, que no perturbado casal fez o diagnóstico da estética que se inaugurava no seu tempo. Numa passagem rica, Ronaldo Lima Lins esclarece: Era um traço da história, muito mais do que das performances ou das anomalias pessoais.(...) Discutia-se algo de muito mais grave, tão grave que talvez Flaubert não tivesse consciência do que fazia. O vulcão que entraria em atividade algum tempo mais tarde receberia o nome de modernismo e surgiria para alterar tudo, invadir espaços sagrados e inaugurar possibilidades; sem se dar conta, entretanto, de que aprofundava o fosso que se abriria, investia na fragmentação, em vez de buscar a solda e os químicos da reparação. O modernismo trazia o substrato da crítica e da utopia, em favor de uma época idealizada, sem angústia, injustiça e repressão .
* Jornalista, autora dos livros Texto sem conforto, uma proposta de redação jornalística e Ensaio sobre a pergunta.
