Vinicius Cantuária: canções entre duas realidades
Ricardo Schott, JB Online
RIO - Até 1994, quando deixou o Brasil, o cantor Vinicius Cantuária tinha seis álbuns no currículo (o primeiro deles, homônimo, de 1982, relançado agora em vinil e CD na série Meu primeiro disco, da Sony Music), além de pelo menos dois sucessos pop oitentistas de longo alcance, Só você e Na canção. Mas, a cada disco novo, sentia-se como se estivesse voltando ao álbum de estreia até por ter seu nome eternamente citado ao lado dos mestres da MPB com quem trabalhava antes de iniciar carreira solo. Os fantasmas não incomodam mais. Quinze anos após mudar-se para Nova York, é contratado do selo americano Naive (que também lança os álbuns de Seu Jorge), apresenta-se em clubes de jazz locais, como o prestigiado Standard Club, e está prestes a acrescentar mais dois títulos à sua discografia internacional.
Eles são o latino e jazzístico Lágrimas mexicanas, gravado ao lado do guitarrista Bill Frisell, e o mpbístico Samba carioca, em que divide a cena com os pianos de Marcos Valle, Cristóvão Bastos e João Donato e mostra sambas próprios, além de uma releitura de Triste, de Tom Jobim. Ambos saem no segundo semestre.
Sempre que eu lançava um disco, só citavam meu nome falando que eu tinha tocado na banda do Caetano Veloso, sido parceiro do Chico Buarque, do Gilberto Gil afirma, de férias no Rio, Cantuária, autor de Lua e estrela, single do álbum com o qual Caetano Veloso ganhou seu primeiro disco de ouro, Outras palavras (1981). Quando saí do Brasil, resolvi ir para um lugar que ninguém me conhecia. E quis fazer uma música que eu achasse que tinha a ver comigo, sem me preocupar com nada.
Poucos discos no Brasil
Até ser recuperado em CD, o disco de estreia que já ganhara uma reedição 2 em 1 com o segundo álbum do cantor, Gávea de manhã (1983) estava sendo baixado pelos antigos fãs em torrents e comunidades de download. O fato de o CD ter perdido valor não passou despercebido ao músico. Que ainda pretende brincar com o assunto num próximo lançamento.
Penso em lançar um disco que vai ser exatamente isso: um único CD. Que vai ficar em exposição e pode ser ouvido pelos críticos nos shows, numa estação com vários fones diz. Vai acabar sendo copiado pelos fãs, mas o conteúdo poderá ser ouvido nas apresentações também.
Há uma certa sensação de exílio quando Cantuária fala de seu trabalho. O cantor confessa que gostaria de ver sua música atual repercutir mais no Brasil. Seu último álbum lançado aqui foi o primeiro disco nova-iorquino, Tucumã (1999), lançado pelo selo de jazz Verve e, no Brasil, pela Universal. Antes dele, tinha feito Sol na cara (1996) para o selo do músico japonês Ryuichi Sakamoto, também posto no mercado aqui pela Eldorado.
Hoje recebo e-mails de pessoas querendo saber o que eu estou fazendo, apesar de não ter gravadora para lançar meus álbuns no Brasil. O público está sempre pensando mais na frente do que as gravadoras avalia o cantor, que não renega nada do que fez no passado. Acho legal que minha carreira tenha abarcado de tudo, que eu tenha feito músicas com Chico Buarque (Ludo real) e Caetano Veloso (O grande lance é fazer romance). E que eu tenha composto Blue jeans com o Evandro Mesquita para a Angélica gravar. As gravações que o Fábio Jr. fez das minhas músicas foram boas demais para mim.
Para as gravações dos discos novos, Cantuária não ficou preso à Nova York. Foi a Seattle gravar com Frisell e com músicos como o pianista Brad Mehldau. Para registrar Samba carioca veio ao Rio fazer sessões no estúdio do saxofonista Leo Gandelman, ao lado de amigos como Paulo Braga (bateria) e Luiz Alves (baixo), além dos pianistas escolhidos.
O cantor, que veio de um relativo sucesso no Brasil, diz ter escolhido uma postura mais para o underground ao mandar-se para os Estados Unidos. Considera-se um dos representantes brasileiros da música no exterior que mais batalha. E permanece acompanhando a MPB de longe.
O fato de eu ter ido morar fora do Brasil foi uma redenção para mim relata. Ir para lá me ajudou a descobrir a falta de limites, que no Brasil eu não tinha, devido ao mercado. Ainda acho que faço música local. Muitos até falam que faço world music, mas acho que música do mundo, mesmo, quem faz é a Madonna. Ou o Michael Jackson.
Brigas nas gravadoras
Nascido em 1951 em Manaus e surgido no mercado fonográfico na onda do rock progressivo dos anos 70 foi baterista da banda O Terço e gravou com eles os dois primeiros álbuns da banda, de 1970 e 1972, homônimos Cantuária logo se tornaria um músico requisitado para estúdios e palcos, além de um compositor conhecido.
Situação que duraria até ser convidado pelo produtor Carlos Alberto Sion para estrear solo na antiga RCA (hoje Sony Music). Entre um disco e outro, solidificou certa reputação de artista brigão e de personalidade forte. Contratado pela EMI após 1983, chegou a falar mal da gravadora em entrevistas.
Acho que me faltou certo jogo de cintura para lidar com as gravadoras em alguns momentos recorda. Fui chamado para ir para a Warner quando estava na EMI e não fui, entre outras coisas. Também deixei de fazer certos programas que seriam importantes. Depois fui sendo levado para o rock nacional, mas eu era mais da MPB. Não tinha muita representatividade para seguir com aquele sucesso, nunca fui de vender muito disco. Poderia ter feito outro Só você logo em seguida, e não fiz.
A ligação com Tom Jobim e os recentes trabalhos com Marcos Valle e João Donato não escondem que, para além do pop, Cantuária é hoje um grande apaixonado pela bossa nova. Chegou a participar de eventos em homenagem aos 50 anos do gênero, no ano passado um deles no mesmo Barbican Centre, em Londres, que abriu as portas para a volta dos Mutantes, em 2006.
Estou cada vez mais apaixonado por Carlos Lyra e Roberto Menescal. E Jobim ainda é meu grande mentor exulta o cantor, que, dos antigos parceiros, ainda tem contato com Caetano. Sempre que estou no Brasil, aviso a ele e marcamos alguma coisa. Não cheguei a ouvir o Cê (disco de 2005 do cantor), mas achei excelente isso de ele estar com músicos novos. Com o Chico nunca mais tive contato.
