Formadores de opinião judeus discutem o confronto
Cristine Gerk, JB Online
RIO - Uma terra com muitos donos e muitos mortos. Mais uma vez, o mundo acompanha angustiado o conflito entre israelenses e palestinos no Oriente Médio, contabilizando o número de vítimas que aumenta a cada dia. No meio do caldeirão de ódio, vingança, miséria e violência, os estigmas se aprofundam e, no epicentro dos ataques, novamente está Israel com a sombra da responsabilidade de ter como aliado uma megapotência polêmica (e criticada) como os Estados Unidos.
Uma nova onda de irritação em relação aos judeus invade os bares, as casas, as escolas. Para muitos, é impossível manter-se indiferente ao massacre de ao menos 1.160 palestinos, dos quais quase metade é de civis, sobretudo crianças e mulheres. Mas há um fator importante que está sendo esquecido no calor das emoções: a pluralidade. Entre judeus, existem diferentes opiniões, assim como entre os palestinos. E cabe à imprensa, e à sociedade como um todo, deixar essas múltiplas vozes unidas tentarem explicar por que são consideradas algozes por tantos ou vítimas, quando se trata da percepção da própria comunidade judaica.
Foi com essa intenção que o Jornal do Brasil convocou para um debate formadores de opinião judeus para discutir a situação do conflito na Faixa de Gaza. Um músico, um ator, um professor, um político e uma ativista se reuniram para conversar sobre as causas desse confronto, os estigmas envolvidos e as perspectivas para a paz.
Na mesa, o compositor e saxofonista do grupo Kid Abelha, George Israel, o professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Bernardo Sorj, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Waldemar Zveiter, a representante da organização não-governamental BrazilFoundation Susane Worcman, e o ator Caco Ciocler, que participou da conversa por áudio-conferência.
O encontro revelou distintas posições dentro de um mesmo grupo. Opiniões diversas que conviveram em harmonia e respeito durante o tempo da discussão. Uma solução é possível. E o primeiro passo está na dissolução do ódio e do preconceito.
AVALIAÇÃO DO CONFLITO
Bernardo Sorj Existe uma questão importante que é pouco comentada. Há uma pluralidade muito grande de opiniões, mesmo entre os judeus e os palestinos. Então, precisamos humanizar nosso julgamento desses povos. Esta guerra tem uma ordem política. São as lideranças eleitas dos dois lados brigando e a causa palestina e a do Hamas são duas coisas diferentes. Eu apóio que haja uma devolução de territórios e que seja estabelecido de uma vez um Estado palestino, mas não posso apoiar que isso seja alcançado com violência, que é a proposta do Hamas. É muito importante reconhecer as diferenças. Muitos judeus, até israelenses, acreditam que esta ofensiva avançou além do que deveria.
Caio Ciocler Eu tenho muito receio de falar sobre esse assunto, tenho medo de me meter. Mas eu me sinto agora extremamente confuso, envergonhado, emocionalmente abalado com isso tudo. Sou pai e fico triste com esses exemplos de ódio e vingança. Se nós começarmos a questionar de quem é a culpa desse problema, temos de ir à fundação do Estado de Israel. Esse tipo de discussão não leva a lugar algum, porque nenhum dos dois lados vai ceder. O Hamas nunca vai aceitar a criação de um Estado de Israel, independentemente do que se resolva. O que me preocupa é a próxima geração, o que fazer para que esse ódio todo cesse. Eu tenho uma ligação forte com o povo judeu, já fiz dança e teatro hebraicos, mas eu não voto lá, não escolhi esse governo, não sei como reagiria se estivesse lá levando foguetes na cabeça. O que eu acho, acima de tudo, é que é preciso parar de discutir de quem é a culpa.
Waldemar Zveiter Quando falamos em ataque, fica a convicção de que Israel atacou, mas não foi isso. Foi uma resposta. Precisamos lembrar como tudo isso começou, a história dessa guerra. O Estado de Israel é menor que Sergipe. Todos os países árabes, que juntos têm uma população de 130 milhões, já declararam guerra contra Israel, com seus 500 mil habitantes. Esse é só mais um episódio nessa história dessa região. Israel já conseguiu a paz com a Jordânia, com o Egito. Todos avançaram economicamente na região, menos os palestinos, que preferem ficar isolados. O governo israelense não busca terras. Como cidadão brasileiro e judeu, eu não estou aqui para aplaudir a guerra, claro que defendo a paz, mas não podemos acusar a resposta israelense de ser desproporcional, como se isso fosse algo negativo. Se as ofensivas fossem sempre proporcionais, a guerra não acabaria nunca, porque haveria sempre equilíbrio de forças. Israel sempre avisa onde vai bombardear antes, por telefone. Há como proteger os civis.
Susane Worcman Há um profundo desconhecimento da História, de tudo que leva a esse tipo de confronto. Mas eu preciso dizer que mesmo não entendendo de militarismo ou guerra, me entristece muito cada criança palestina que morre. Isso me arrasa independentemente do nome e do sobrenome que elas carregam. Além disso, mais do que a dor que se sente a ver os filhos do Oriente Médio morrendo, há ainda a dor de ensiná-los a matar. Os judeus não têm espírito bélico, com certeza ninguém dorme em paz ao ver mortos e feridos. Eu fico preocupada também de ver esse assunto todo sendo tratado por povos que não sabem o que é Israel e o que são os palestinos. O Partido Trabalhista (PT), por exemplo, começou a emitir opiniões sobre isso, ao invés de cuidar das meninas prostituídas e abandonadas nas ruas do país.
George Israel Eu estou muito seguro do lado em que estou porque eu acho uma heresia alguém usar o sobre-humano como forma de dominar a mente da humanidade e usar essa visão de forma pré-histórica e covarde. Muitos árabes devem ter comemorado a milésima morte como um aval para o céu. Essa guerra não é contra Israel. Pode ser contra um escritor inglês ou italiano que será considerado merecedor da morte por ter agredido este sobrenatural. Até o termo guerra santa é usado. Isso não existe. Eu tenho dúvidas e vergonhas em relação a muitas atitudes de Israel, mas eu não tenho como não defender o lado de quem valoriza a liberdade de expressão e de escolha.
SOLUÇÕES PARA A PAZ
Caco Ciocler - A conversa é o único meio possível para se atingir a paz nessa região. Agressão só gera mais agressão. As crianças são atacadas dos dois lados, o ódio vai ser difícil de apagar, mas o mais importante é não alimentá-lo. Vivemos num momento histórico no qual percebemos que as diferenças precisam ser respeitadas. Temos de nos preocupar em não apenas respeitar, mas em ver a real beleza do diferente. A maior preocupação deve ser a de salvar o planeta.
George Israel Deve haver um Estado palestino. Eles podiam tirar proveito do intercâmbio com uma nação como Israel, que tem mais mercado de trabalho e tecnologia.
Waldemar Zveiter - Eu acho que Israel tem legítimo direito de defesa. Um país atacado deve se defender. Acho que Israel quer destruir o local dos foguetes e, quando isso acontecer, a guerra vai acabar. Tem que existir um Estado palestino e um de Israel convivendo em paz.
Susane Worcman A construção da paz é responsabilidade do mundo todo através da informação. Compete a nós, judeus, e a todas as pessoas que lutam por um bom futuro para o mundo pensar que se deve buscar caminhos para a paz. No Saara, por exemplo, todo mundo vive em paz, mesmo tendo culturas distintas, porque há um princípio comum mais importante, que é o do comércio. Eles podem não se amar, mas convivem há mais de 100 anos juntos, prevalece o interesse que vem desse bem-estar. Temos de seguir o exemplo.
Bernardo Sorj A questão não é esquecer o passado, mas não viver ou se alimentar de traumas.
BAIXA DE CIVIS
George Israel Israel não é expancionista. Um país só ataca quando quer ocupar um território, do ponto de vista econômico ou político. Nesse caso, o que há é uma resposta, uma defesa que gera mortes civis. Mas Israel tem menos baixas porque protege seus civis, isso é uma estratégia oficial. Há essa preocupação sempre, em construir abrigos e ajudar a população, ao invés de jogar as crianças como escudos para atender a interesses políticos. Se eles não defendem as crianças deles, a culpa também é parcialmente deles. Do lado de Israel, se gasta uma fortuna para defender as pessoas. Não haverá uma saída enquanto a população civil continuar no meio dos ataques. É uma apelação muito forte.
