Arranjador Eumir Deodato se diz viciado no MySpace

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Monique Cardoso, Jornal do Brasil

OLINDA - De bermuda, camisa florida e boné, Eumir Deodato parece um turista. E é mesmo. O compositor, arranjador e produtor carioca, radicado em Nova York desde 1967, está no Brasil cheio de opiniões contundentes para dar sobre a música popular brasileira, internet e mercado fonográfico. Convidado pela Mostra Internacional de Música de Olinda (Mimo), tocou ontem na Igreja da Sé da cidade pernambucana, onde já se apresentaram Nelson Freire, Maria João Pires e Egberto Gismonti cerca de um ano depois de ter gravado por aqui seu mais recente disco (Eumir Deodato Trio Ao vivo no Rio), uma homenagem a Tom Jobim gravada na Sala Cecília Meireles.

Sempre aproveito para homenagear o Tom, né? diz. Trabalhei 15 anos com ele. Fiz o arranjo de Sabiá (de Tom e Chico Buarque, vencedora do Festival Internacional da Canção de 1968).

Também costuma executar a versão de Zarathustra (arranjo de 1972 para Also sprach Zarathustra, de Richard Strauss). No Mimo, na sexta-feira, Dedodato, de 65 anos, deu um workshop sobre arranjo, no qual respondeu a perguntas de músicos. E depois conversou com o Jornal do Brasil.

O senhor passa muito tempo sem se apresentar no Brasil Veio no ano passado, gravou um CD/DVD ao vivo e se foi. Por que tanta ausência?

Eu não tocava muito em lugar algum. De uns cinco ou seis anos para cá resolvi fazer mais shows. Até então meu trabalho era ir ao banco depositar cheques. Ficava basicamente no estúdio, fazendo arranjos para os outros. Descobri que tenho muitos amigos, muita gente que gosta de mim por aí. Participei de um show beneficente para os bombeiros e para a polícia de Nova York em 2001, depois do atentado ao World Trade Center. Cada artista fazia uma música. Nos meus shows, o pai vem com o vinil na mão e o filho com o CD, para eu autografar.

Além de fazer poucos shows, tem lançado poucos discos também...

Você não precisa ficar fazendo discos novos o tempo todo, igual muita gente faz por aí, para ficar tocando música que ninguém conhece. Para quê? Estão dizendo que a indústria do disco está em crise. Na verdade a indústria já acabou, mas tem gente que se recusa a ver.

É por isso que o senhor está sumido do show business?

Sou um artista independente. Tenho agentes, empresários, mas quando ligam para mim negocio diretamente. Outro dia uma agência marcou uns shows no Japão. Os caras queriam 20% de comissão. Disse não. Não compensava.

O senhor não mantém contrato com nenhuma gravadora atualmente?

Mais ou menos. Estão sempre me pedindo para fazer discos. Mas isso é besteira. Tem muita coisa minha pirateada por aí, compilações, de músicas minhas e dos artistas para quem fiz arranjos. De algumas coisas consegui tomar as rédeas, como uns discos dos Catedráticos (conjunto com o qual tocava nos anos 60). Acabei de licenciar para a gravadora relançar. Agora pelo menos tenho o controle. Já deixaram de me pagar muita coisa.

Como o senhor vê a música que percorre livre na internet?

Os sites ganham com a internet, os anunciantes ganham, as empresas de cartão de crédito ganham. O artista é que não ganha nada. Como as gravadoras não têm mais orçamento para produzir, as pessoas fazem tudo em casa, com qualquer aparelhinho, na sala, no banheiro. Depois nem precisa do disco, põem direto na internet. Sou um fã do MySpace. O que tenho de amigos lá não é brincadeira. E me comunico com as pessoas, quero saber quem me adiciona, que tipo de música faz.

Qual a sua opinião sobre a idolatria dos músicos americanos pela bossa nova?

Esses caras eram uns aproveitadores. Aquele Stan Getz (saxofonista que lançou a célebre versão em inglês de Garota de Ipanema, com Astrud Gilberto nos vocais) nunca tocou nada. Presenciei uma briga dele com o Maciel (Edson Maciel, trombonista). Getz estava tentando fazer um disco com Baden, eu era arranjador. Ele nunca ia, estava sempre bêbado, ligadão. Aí um dia apareceu no estúdio com aquela cara de drogado, o Maciel se aborreceu e falou para ele, em português mesmo: Qual é a sua, cara? Quem é você? Você já ouviu falar em John Coltrane? . Getz pediu para eu traduzir e fiquei na minha...

Então não foi vantagem 'emigrar' para os EUA?

Esse pessoal veio ganhar dinheiro à custa da gente, caras como Herbie Mann (flautista americano). O Ray Gilbert, que adaptou várias canções do Tom Jobim para o inglês, era um dos piores. Ele acabou com uma do Marcos e Paulo Sérgio Valle, Razão de viver. Virou A little tear, ou seja, uma pequena lágrima , nada a ver com nada. Norman Gimbel (que assina a versão de Garota de Ipanema em inglês) só escrevia coisas estapafúrdias. O próprio Tom passou a fazer letras em inglês. Dizia que, se era para escrever letras bobas, ele mesmo fazia. Tom só ficou mais conhecido entre os americanos porque tinha gente cantando as músicas dele

em inglês.

Ao menos Tom saiu na vantagem, então...

Bem, sim. Stan Getz era um cara conhecido, embora muito apagado. Subiu no cavalo da bossa nova e saiu galopando. É muito difícil conseguir alguma coisa nos Estados Unidos. Falei com Moacir Santos que ele tinha de ter ficado em Nova York. Mas, em novembro começa a bater aquele ventinho, as pessoas correm para o sul, para a Califórnia, para comer churrasco na casa de Sérgio Mendes. A vida na Califórnia é assim: acorda-se às 15h, toma-se um banho de piscina qualquer casa tem uma e quando você vai ligar para os escritórios o expediente já acabou. Em Nova York você tem que trabalhar.

É por isso que o senhor se estabeleceu?

Aqui no Brasil eu vivia reclamando da maneira como as pessoas faziam as coisas, da falta de organização de tudo. Tive oportunidade de sair. O que me fez dar certo foi o hábito de trabalho. Trabalho muito. Nos EUA não tem isso de eu toco bem . É muita competição. Você toca bem, mas tem um outro que também toca e é mais articulado, mais organizado e passa à sua frente. Agora, então, o mercado está arruinado. Não está só ruim. Simplesmente acabou. Para a indústria fonográfica voltar a existir tem de recomeçar do zero. Será que a palavra disco tem o mesmo significado? Muita gente diz por aí: Fiz meu disco! , e eu pergunto: E daí?

De que maneira isso afetou seu trabalho?

Que trabalho? Eu que pergunto: que trabalho? Não tenho feito. (Deodato fica tenso, pede um café e a mulher, uma psicóloga americana, oferece uma Coca-Cola light). Aqui no Brasil tem gente que é safa. O Menescal, por exemplo. Com aquela gravadora dele (Albatroz), fez um acervo imenso, que certamente está dando dinheiro. Outro país em que as coisas correm muito seriamente é o Japão. Lá as pessoas pagam pela música, gostam de ter o disco. O business de música morreu. Nos EUA eles estão colocando em lojas como Starbucks, em farmácias e filiais da cadeia Bed, Bath & Beyond (maior rede americana especializada em objetos para casa). Comprei outro dia um disco de remixes de bossa nova, Rio Lounge. Tem uma faixa com uma cantora ótima, Marcela (a pernambucana Marcela Mangabeira, casada com Marcio Menescal). Aqui no Brasil ninguém deve saber quem ela é.