Fernando Meirelles teve que tirar cena de estupro de filme
Portal Terra
SÃO PAULO - O diretor Fernando Meirelles, que levou às telas a obra de Jose Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, disse que teve que cortar uma cena de estupro do longa-metragem para não chocar as platéias. - A seqüência era muito violenta. Fizemos umas sessões-teste e as pessoas saíam da sala. Senti que estava expulsando o público, contou.
Em entrevista com jornalistas na tarde desta segunda-feira, no Grand Hyatt, em São Paulo, Meirelles adiantou que as cenas deverão estar presentes no DVD, para quem quiser assisti-las, e que sofreu muito antes de fazer os cortes na produção de 2 horas.
- Isso é um processo normal em filme. Começamos com quase três horas de duração, mas você vai cortando até que ela se transforma, continua.
Em Ensaio Sobre a Cegueira, Meirelles retrata o drama de um grupo de pessoas que foi contaminado por uma epidemia inexplicável de cegueira que gradativamente vai atingindo toda a população. Sem explicação para a doença, os grupos são confinados em sanatórios pelo governo, que quer mantê-los isolados. Em um deles está um médico (Mark Ruffalo) e sua mulher (Julianne Moore), a única capaz de enxergar em meio ao caos.
A situação toma proporções políticas. Mesmo capaz de ver, a mulher hesita em se posicionar diante dos autoritários cegos que tentam tomar o controle da situação, até que tudo segue para um beco sem saída: quando a comida falta, uma das alas do sanatório, comandada por um 'rei' (Gael Garcia), resolve ditar as regras. No início, pedem itens de valor em troca de alimentos, mas depois começam a exigir noites de sexo com as mulheres do hospital.
Adaptar a obra de Jose Saramago não foi fácil. Mesmo antes de rodar Cidade de Deus, Meirelles já tinha idéia de comprar os direitos do livro, mas não obteve sucesso. A tarefa só veio depois que o diretor apresentou ao mundo O Jardineiro Fiel e se uniu ao produtor Niv Fichman e o roteirista Don McKellar, que faz uma participação no longa-metragem, para fazer o pedido a Saramago.
O escritor português não queria que seu livro, aclamado no mundo inteiro, fosse adaptado para as telas, por medo que ele se transformasse num 'disaster movie' de zumbis. - Eu não sei se ele foi gentil, mas estávamos numa entrevista em Portugal e um jornalista perguntou a ele se venderia novamente os direitos de algum romance dele para mim. Ele disse que sim, recorda o bem-humorado Meirelles.
Cegueira Visual
Apesar de contar a história de cegos, Fernando Meirelles usou e abusou de recursos bem visuais. Desde o começo do filme, podemos ver uma iluminação estourada, que por vezes toma conta da tela. Como no romance de Saramago, toda vez que o filme faz alusão à cegueira dos personagens, mostra-se uma tela branca, ao invés de preta, como seria comum nestes casos.
Diante da crítica, Meirelles não ousa em disparar que o filme é mais incômodo do que digerível. E isso é mostrado logo no começo. A estética é praticamente eliminada para dar o tom obscuro aos personagens.
- Usamos alguns truques para construir a imagem. Começamos a utilizar reflexos, planos mal-enquadrados, como se a câmera tivesse sendo comandada por um dos cegos. Lá pros 40 minutos finais, colocamos imagens fora de foco. O som já não fica em sincronia com a imagem, adiciona o cineasta.
Com estréia prevista para 12 de setembro, Ensaio Sobre a Cegueira foi citado como um dos filmes mais esperados deste ano, segundo as revistas Rolling Stones e Time, mas Meirelles renega a fama de hollywoodiano. - Andei lendo por aí que o filme é uma produção de Hollywood, mas eles estão errados. Esse é um filme independente, feito em parceria com o Canadá e Japão, defende.
- Já recebi proposta de estúdios grandes e recusei. Pretendo continuar recusando, enquanto eu conseguir verba para rodar meus filmes, adiantou. - Estou produzindo uma minissérie para a Rede Globo. Acho que vou fazer assim: sempre que eu for lançar um filme, farei com proporções internacionais porque aí eu consigo dinheiro para realizá-lo. Quando eu for rodar algo no Brasil, voltado para o público brasileiro, quero trabalhar com TV.
Por coincidência, a filmografia de Meirelles é direcionada a suas paixões. Ensaio Sobre a Cegueira, por exemplo, segue o ritmo de projetos como Cidade de Deus, um retrato das favelas brasileiras, e O Jardineiro Fiel, voltado aos trabalhos sociais. - Meus filmes são motivados por intenções pessoais. Adaptar O Ensaio foi uma coisa difícil porque os personagens não têm nomes. Eles não são apresentados, não têm passado. No meu próximo trabalho quero fazer uma comédia, brinca.
