Jaguar lança no Brasil livro esquecido há 35 anos
Bolívar Torres, Jornal do Brasil
RIO - Em 1972, o cartunista Jaguar tomava um chope no Lamas quando foi abordado por um argentino, do qual até hoje não lembra o nome, e que se apresentou como dono de uma vinícula em Mendonza.
Jaguar ficou feliz, porque achava que ia ganhar uma garrafa de vinho. Só que o argentino lhe ofereceu muito mais. Planejava abrir uma editora, que publicaria o trabalho do brasileiro. O cartunista lhe entregou alguns desenhos que juntou às pressas no arquivo da redação de O Pasquim, e que mais tarde viraram o livro Ninguém é perfeito, lançado na Argentina e no Uruguai. Esquecido durante 35 anos (inclusive pelo próprio autor), o livro ganha enfim edição brasileira.
Na verdade, a história do livro é mais interessante do que o próprio livro ironiza Jaguar, tomando chope em um bar de São Paulo. O lançamento foi chiquérrimo, e estava lotado de artistas, escritores, praticamente todos os desenhistas de humor da cidade. Fiquei hospedado num hotel de luxo em Buenos Aires, de estilo inglês.
Quino, o criador de personagem Mafalda, faz a apresentação do livro. Na verdade, é Mafalda que aparece, afirmando que imperfeitos como Jaguar, reconciliam qualquer um com as imperfeições da vida . Apesar de não ter resultado em trabalhos posteriores do cartunista na Argentina, Ninguém é perfeito lhe permitiu conhecer Buenos Aires e fazer amizades que duram até hoje. É o caso de Eduardo Galeano, que na época também era desenhista. O escritor Manuel Puig, que morreu alguns anos mais tarde, fez amizade com Jaguar e chegou a visitar o cartunista no Rio.
Além de sucesso, o livro provocou polêmica. Nem tanto pela sua visão crua e debochada da sociedade, mas sim pelo aspecto gráfico, que não casava com o universo escrachado do cartunista, no qual desfilam figuras nada sutis, como Gastão, o Vomitador (que ganhou um capítulo só para ele no livro). Alguns argentinos acharam a paginação pernóstica . O cartunista Sábat também se revoltou.
Para o Sábat, aquilo tudo parecia coisa de viado lembra Jaguar. A verdade é que depois dessa brigalhada a editora fechou e desistiram de publicar mais livros.
Descrença na humanidade
Questões gráficas a parte, o conteúdo de Ninguém é perfeito é puro Jaguar. A sátira cobre a história inteira da humanidade, indo do saudoso mundo velho, onde ninguém foi perfeito, até o admirável mundo novo, onde todos continuam imperfeitos . Sobra para todos: hippies, militares, críticos musicais, homens das cavernas...
No prefácio da edição original, Jaguar apresenta aos hermanos seu pessimismo em relação a humanidade. Mas não deixa de se incluir na boçalidade geral. Depois de se definir como indivíduo que não sabe fazer mais nada a não ser desenhar, conclui: Ninguém é perfeito, mas eu exagero . Para Jaguar, é assim: estamos todos no mesmo barco.
Eu acho o ser humano uma m... sentencia o cartunista. Achava na época do livro e ainda acho. Mas eu não me preocupo com isso, porque detesto trabalhar. Meu grande defeito e minha grande qualidade é a preguiça. Eu gosto é de ficar batendo papo no boteco e beber meu chope, como estou fazendo agora, em São Paulo. O quanto menos eu trabalhar, melhor.
