Realidade versus pseudociência

COTAÇÃO: * * * (Bom)

Por Tony Tramell

"O Mau Exemplo de Cameron Post" deveria ser o segundo filme do ano a abordar a cura gay, mas se tornou o primeiro. A razão é que a distribuidora de “Boy Erased”, com Nicole Kidman, resolveu não lançar o longa. Deixando de lado especulações e polêmicas, vamos a estreia da semana. A diferença entre as duas obras, ambas são baseadas em livros de sucesso, é que “O Mau exemplo de Cameron Post” é uma ficção, embora seja baseado na experiência lésbica da diretora e no relato de jovens que passaram por esses “centros de tratamento”.

A trama gira em torno da adolescente Cameron (Chloë Grace Moretz), que no começo dos anos 90, perde os pais e passa a viver com uma tia conservadora e uma avó bem-intencionada. Flagrada aos beijos com uma rainha do baile da escola, ela é mandada para um acampamento de terapia de conversão gay.

Vencedor do grande prêmio do júri no Festival de Sundance, o filme retrata com doses de cinismo e drama a pretensão religiosa de curar as pessoas, uma “cura” para um comportamento que apenas não se enquadra na sua doutrina de fé. A diretora Desiree Akhavan realiza um ótimo filme, apenas perde a oportunidade de enveredar mais fundo pela hipocrisia absurda dessas curas milagrosas. Os pontos fortes são muitos, como um olhar com perfeição como os adolescentes agem, atenção a detalhes pequenos que valorizam o roteiro e a diversidade de personagens e as atuações marcantes do elenco (especialmente da protagonista).

O embate realidade versus pseudociência movimenta o filme até seu clímax. Em nome de Deus vale tudo, inclusive impor a culpa aos que não possuem o mesmo pensamento, e o longa retrata esse desfecho numa cena trágica e impactante. A beleza de ser jovem é poder se descobrir e, apesar do título irônico, “O Mau Exemplo de Cameron Post” permite ver esses conflitos e levar a reflexão os que ainda acreditam nessa filosofia. Décadas depois da época em que o filme se ambienta, essas instituições ainda existem forçando jovens a se enquadrarem no conceito de família tradicional. Um dos grandes acertos é a opção em não tratar superficialmente questões delicadas. Os diálogos são constantes e superam os conflitos, o que deixa o filme mais lento, mas traz pérolas inesquecíveis como “Seu nome é masculino demais” e “Vocês não tem a menor ideia do que estão fazendo?”. Desiree Akhavan tem a chance de desnudar o mundo das clínicas de cura e isso é extremamente positivo.

Tony Tramell é assistente de direção e jornalista