A utopia da língua
Obra de Umberto Eco mostra histórico da obsessão pela busca de um idioma que unisse a Europa
Filósofos, teólogos e místicos ocuparam-se, por cerca de dois mil anos, com o pensamento de que em algum momento existiu uma linguagem que expressasse de forma perfeita e inequívoca a essência de todas as coisas e conceitos possíveis. E é essa utopia que o filósofo e escritor italiano Umberto Eco investiga na obra, "A busca da língua perfeita na cultura europeia" (Fundação Unesp Editora), título de 1994, que acaba de ser lançado no Brasil. O autor, morto há três anos, especula sobre as tentativas feitas ao longo da história de descobrir uma língua que fosse original, perfeita e única para toda a humanidade.
"A utopia de uma língua perfeita não constituiu uma obsessão apenas para a cultura europeia. O tema da confusão das línguas, bem como a tentativa de remediá-la mediante a descoberta ou invenção de uma língua comum a todo o gênero humano, perpassa a história de todas as culturas", destaca o autor. "Entretanto, o título deste livro estabelece um primeiro limite, e por isso as referências a civilizações pré ou extraeuropeias serão esporádicas e restritas", observa.
Classificado pelo próprio autor não como um livro de linguística ou semiótica, mas, sim, pertencente à categoria de história das ideias, Eco está longe de defender um monolinguismo. Mas trabalha numa espécie de inventário de busca da língua perfeita e de como ela poderia reverberar no plano das ideias. Seu ponto partida é anterior à passagem bíblica da Torre de Babel e passa pelo projeto da Ars magna de Raimundo Lúlio. Da Idade Média ao Iluminismo, esse tema também foi uma obsessão. Afinal, uma língua que poderia ser lida facilmente estaria relacionada à realidade de todos os povos do continente e, consequentemente, promoveria a busca da verdade.
Além de trafegar pela hipótese de uma língua indo-europeia ou especular sobre línguas internacionais auxiliares, como o esperanto, Umberto Eco demonstra a íntima relação existente entre língua e identidade. O pensador apoia-se, ainda, nas palavras de autores como Santo Agostinho, Dante, Descartes e Rousseau e busca beber até em tratados arcanos sobre cabala e magia, além da história do estudo da linguagem e de suas origens.
