Nos acordes da polêmica

Acusações a Daniel Barenboim provocam o #metoo da música clássica na Alemanha

Por Luciana Rangel*

O maestro Daniel Barenboim, regente da Ópera de Berlim

uais os limites de um gênio? Pode um maestro como Daniel Barenboim falar o que quiser? É o que vem sendo discutido depois que um coro de críticas ganhou o apoio da imprensa alemã. Mais de 15 jornais ampliaram e apoiaram a discussão e denúncias iniciadas em matéria publicada na revista online de música clássica VAN, cujo escritório fica a quatro quilômetros do local de trabalho de Barenboim, a Staatsoper, Ópera estatal de Berlim.

Funcionários antigos e atuais acusam o diretor musical mundialmente famoso de aterrorizar a todos em ensaios e apresentações. Hartmut Welscher, editor-chefe da revista "VAN", reuniu uma dúzia de depoimentos contra o maestro e os publicou anonimamente, para proteger os denunciantes de possíveis retaliações profissionais. Na matéria de Welscher: "O poltergeist", o fantasma barulhento, com subtítulo: "Quem tem medo de Daniel Barenboim?" Há depoimentos como: "Ele cruzou a fronteira centenas de vezes, me ofendeu pessoalmente ultrapassando todos os limites", disse um ex-funcionário da Fundação Barenboim para a VAN.

As denúncias contra o líder da Ópera Estatal são extensas e excedem reações que um chefe pode ter em dias ruins. Barenboim é acusado de humilhar consecutivamente os músicos nos ensaios. A Rádio pública BR-Klassik com a matéria "Desempenho máximo a qualquer preço?", de Kathrin Hasselbeck e Manuela Promberger, teve a confirmação de 20 músicos do clima de medo que impera sob a batuta do regente. Mas muitos temem falar seus nomes, até os já aposentados. Os mais corajosos, como o trombonista Martin Reinhardt dá o nome, pois hoje mora na Dinamarca e faz parte da Filarmônica de Copenhague. Ele trabalhou 13 anos com o maestro. "Eu tive as melhores experiências musicais da minha vida com Barenboim e sou muito grato por isso. Mas às vezes o preço que você paga é muito alto".

Em 2015, Martin Reinhardt pediu demissão e abandonou Berlim. Ele não suportava mais o desgaste de seus colegas por causa de Barenboim e também sofria de distúrbios do estresse e do sono.

Em relação às denúncias, Matthias Schulz, diretor da Ópera Estatal, disse à VAN: "Em nenhum momento fomos informados de qualquer comportamento problemático por parte de Daniel Barenboim, que atua com alta qualidade". Quando a polêmica aumentou, Schulz voltou a se pronunciar favorável ao maestro de 76 anos. "Desde abril de 2018, sou diretor da Ópera Estatal de Berlim e sou encarregado de lidar de maneira construtiva com conflitos que naturalmente também existem em uma casa de ópera. Uma pedra fundamental do nosso trabalho na Ópera Estatal é a interação aberta e destemida entre si. Isso inclui todos os funcionários da casa e, portanto, é claro, nosso muito apreciado diretor musical Daniel Barenboim, e confiamos nele. Juntos, vamos continuar trabalhando nisso".

O argentino-israelense Daniel Barenboim é pianista e maestro, mas também diplomata, empresário, embaixador da paz e dos direitos humanos. Ex-prodígio, descoberto pelo lendário Wilhelm Furtwängler. Barenboim tem mais de 500 gravações como regente e pianista.

Barenboim disse que enquanto às críticas forem anônimas, que não vai se pronunciar, mas ao ser indagado sobre seu comportamento, já alegou ser "um latino emocional". Desde o dia 13 de fevereiro o maestro está de licença médica para uma operação na vista e abandonou a regência da ópera em cartaz Babylon.

*Jornalista