Produção de Minas Gerais abre debate sobre violência no Brasil rural no Festival de Berlim
A poucas horas de sua abertura, com a projeção do melodrama romântico “The kindness of strangers”, o 69º Festival de Berlim conheceu o primeiro dos onze títulos brasileiros de sua seleção de 2019: o mineiro “Querência”, de Helvécio Marins Jr., exibido na seção Fórum, devotado a trabalhos de timbre experimental. A sessão estava abarrotada, com espectadores se acotovelando. Um dos mais importantes eventos da indústria do cinema mundial (ao lado de Cannes e de Veneza), a Berlinale foi levada por Helvécio a um mergulho naturalista no sertão de Minas Gerais, numa narrativa que evoca o mítico diretor Humberto Mauro (1897-1983) e seu “Carro de bois” (1974). A mostra Fórum embarcou numa viagem afetiva, sensorial e mauriana para Unaí, a 590 km de Belo Horizonte. Foi lá que o cineasta (codiretor de “Girimunho”, com Clarissa Campolina) estruturou a narrativa de “Querência” como um poema audiovisual. Um poema que arrancou suspiros da plateia germânica com seu olhar sobre o universo rural brasileiro. A narrativa, de um naturalismo que observa (obediente) o fluxo de vidas aparentemente simples, segue os ritos cotidianos de um tratador de gado que dá nome aos animais que cuida, enquanto sonha com o universo dos rodeios. Entre orações, modas de violas e fatias de um queijo branco artesanal, ele encara a violência de invasões a propriedades no campo e o descaso de autoridades com a justiça da dita “roça”. A sequência em que o personagem se recorda de uma oração familiar de sua infância é pra levar o mais duro dos corações às lágrimas.
Existe uma vocação histórica no Festival de Berlim, desde sua inauguração, em 1951, com uma sessão de “Rebecca, a mulher inesquecível”, de Alfred Hitchcock, em servir de painel para expressões autorais do mundo inteiro, com lugar cativo para a América Latina, em especial para o Brasil. Pois este ano, a Berlinale é verde e amarela de cabo a rabo: há 11 produções com o cinema nacional em seu DNA, incluindo “Querência” e a participação de “Marighella”, de Wagner Moura, na seleção oficial. Além da saga do militante baiano que desafiou a ditadura militar e do poema de Helvécio, há outros sete filmes brasileiros no menu de Berlim: “Divino amor”, de Gabriel Mascaro; “Greta”, de Armando Praça; “Estou me guardando para quando o carnaval chegar”, de Marcelo Gomes; “Espero tua (re)volta”, de Eliza Capai; e “Rise”, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca; “A Rosa Azul de Novalis”, de Gustavo Vinagre e Rodrigo Carneiro; e “Chão”, de Camila Freitas. Para fechar a conta, há ainda duas coproduções: “La arrancada” (com Cuba) e “Breve história del planeta verde” (com a Argentina). A vitrine é luminosa para nossa diversidade autoral.
