Com curadoria de Roberto Corrêa, obras para violas são reunidas e se destacam na segunda fase das Partituras Brasileiras On Line da Funarte
A publicação Partituras Brasileiras On Line da Funarte chega à sua segunda parte, reunindo agora mais de 12 mil páginas de partituras de músicas brasileiras que podem ser acessadas gratuitamente por musicistas do mundo todo. Os novos volumes têm três seções de viola caipira, além de um com sambas de Delcio Carvalho e obras para violão; outro de músicas de concerto de compositores como Tim Rescala e Ricardo Petracca; e um último com obras da última Bienal de Música Contemporânea. Idealizado pelo músico e diretor do Centro da Música da Funarte Marcos Souza, a iniciativa é um começo não só de mapeamento e disponibilização, mas também de promoção da música brasileira no exterior por meio das partituras e das parcerias com instituições, editoras e compositores. “Os novos volumes dão continuidade a um projeto muito bem-sucedido, que já chegou a diversas escolas de música no mundo todo, e traz a possibilidade de acesso a um material que estava escondido, que são as partituras da viola caipira brasileira”, destaca Marcos.
O violeiro, compositor e pesquisador Roberto Corrêa é o curador dos volumes de viola caipira, que reúnem mais de mil páginas de partituras. Ele explica a diferença entre as violas brasileiras de cinco ordens de cordas dedilhadas: “Trata-se de um conjunto de instrumentos de tradição oral onde o aprendizado e o repasse de repertório se dava por observação/imitação e cujo processo de escolarização e de escrita musical é bem recente”, descreve ele no trabalho. Dentro deste recorte, Roberto separou sete instrumentos encontrados no Brasil: viola caipira, nordestina (que pouco se difere da caipira a não ser pela afinação), de cocho, caiçara, de cantoria, machete ou de samba e de buriti. Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, Roberto Corrêa conta como foi o trabalho de curadoria das partituras, que podem ser encontradas no http://www.funarte.gov.br/partituras-brasileiras-online/.
JORNAL DO BRASIL - Quando foi convidado por Marcos Souza para organizar as partituras e quanto tempo levou para reunir o material?
ROBERTO CORRÊA - Ele me chamou em abril do ano passado e foram sete meses de trabalho.
Segundo Marcos, as partituras são, basicamente, a reunião de trabalhos já publicados para, pelo menos numa primeira fase, viabilizar mais facilmente o projeto. O que há de material escrito para violas?
A escrita musical para as violas brasileiras é recente. Tivemos a primeira escrita entre os anos de 1962 e 1963 com Ascendino Theodoro Nogueira. Na ocasião, ele escreveu sete Prelúdios e um Concertino para Viola Brasileira e Orquestra. No entanto, esta iniciativa de escrita musical só foi retomada na década de 1980. Vale destacar que, até pouco tempo, a viola estava restrita às práticas musicais tradicionais e às duplas caipiras, práticas estas que não adotavam a escrita musical.
Com a variedade de violas - e a dificuldade de classificá-las, como cita no texto de apresentação - como chegou à decisão de fechar o foco nas violas brasileiras de cinco ordens de cordas dedilhadas?
As violas de cinco ordens de cordas no Brasil - Viola caipira; viola caiçara; viola-de-cantoria; viola nordestina; viola-de-samba (machete); viola-de-cocho e viola-de-buriti - são oriundas de violas ancestrais portuguesas e estão diretamente ligadas às práticas musicais tradicionais do nosso país. A partir da década de 1960, no Brasil, houve um avivamento, um interesse crescente por parte de músicos de diversas tendências musicais pela viola caipira. Os trabalhos que se originaram desse interesse ampliaram as possibilidades musicais do instrumento e a difusão de sua arte. Isso também desencadeou uma espécie de movimento cultural que se expandiu para os demais tipos de violas brasileiras. Na verdade, a pesquisa sobre a viola caipira e demais violas fazem parte da minha tese de doutorado “Viola caipira: das práticas populares à escritura da arte”, de 2014, pela USP.
Por que decidiu citar a viola de buriti se não há partituras dela?
Estamos ainda no processo de avivamento das violas brasileiras. Isto demanda pesquisas de campo, difusão de documentos sonoros relativos à tradição e, evidentemente, construção de um repertório contemporâneo de músicas instrumentais e de canções. Muito tem sido feito com alguns tipos de violas mas muito há de se fazer com outras. A ideia de apresentar a viola-de-buriti, mesmo não tendo ainda um repertório escrito, foi de chamar atenção para o instrumento e despertar interesses.
Fale sobre suas quatro composições escolhidas para integrar o songbook.
Escolhi composições com ritmos diversos: “Anti-viola” é um samba caipira; “Araponga isprivitada” é uma polca paraguaia, ritmo da fronteira bastante utilizado na música caipira; “Baião do pé rachado”, é uma levada típica da dança Caboclinhos, de Goiás; e “Ingrisia na folia” é uma toada para duas violas nos moldes das toadas das folias de reis do Triângulo Mineiro.
As partituras do violinista e compositor carioca Jorge Antunes, reunidas em “Casa de Ferrer, viola de pau”, tem até uma dedicatória para você. Fale dessa ocasião.
Jorge Antunes dedicou a mim a música Prelúdico em MI, no ano de 1984.
No início da década de 1980, eu estava empenhado em conseguir obras originais para viola e estimulava compositores de música de concerto a compor para o instrumento. Jorge se interessou e compôs Prelúdico em MI, uma peça musical complexa que explora recursos sonoros não usuais na viola. Os violonistas e compositores Marco Pereira, Eustáquio Grillo e Maurício Carrilho também se interessaram e compuseram obras originais para a viola. Estas obras, com exceção do Concertino, foram registradas no meu álbum “Viola de arame - Composições brasileiras”.
Qual a importância e o que ainda pode ser publicado no Partituras Brasileiras On Line?
A publicação de partituras referentes às violas brasileiras dentro deste projeto da Funarte de difusão da música brasileira no exterior - disponibilizando as obras para download gratuito - é um momento importante na história recente da viola no Brasil. Uma oportunidade para ampliar o alcance e a difusão do repertório que está sendo construído com as violas brasileiras. E também um estímulo para que os violeiros e compositores registrem suas obras em partituras. Aliás, muitos deles não tiveram tempo de escrever suas músicas para o projeto e estão aguardando uma outra oportunidade. Eu espero que o projeto abra uma nova coleta de músicas para ampliarmos ainda mais a sessão dedicada às violas brasileiras.
Fale um pouco de seus projetos para 2019 e comente sobre o panorama atual e futuro da música brasileira nessa área.
O cenário da música ligada à viola, no meu modo de entender, tende a se expandir cada vez mais. Este fato se verifica com o aumento exponencial das orquestras de viola, com a constante publicação de livros didáticos, ampliação de repertório, engajamento de jovens aprendizes e interesse crescente do público. Sobre meus projetos, vamos excursionar este ano pelo Brasil com o espetáculo cênico-musical “O Violeiro” que inclui, além de performances solo, dança do catira, dupla caipira e folia do divino. Além deste projeto, logo no início do primeiro semestre lançaremos o livro baseado na minha tese de doutorado sobre o avivamento da viola no Brasil.
