Sinfônica da UFF resgata na Cecilia Meireles o período de Moacir Santos como arranjador e regente da Rádio Nacional

Por João Pequeno

Moacir Santos. Foto: Jeferson Mello/Divulgação

Com cantores convidados e um repertório que vai de boleros a temas do cinema americano, passando pelas bossas e os sambas-canção, a Orquestra Sinfônica Nacional da UFF (OSN UFF) mergulha neste de fim de semana nas claves do maestro Moacir Santos (1926-2006) – mais especificamente no período em que ele atuou como arranjador e regente da Rádio Nacional, entre 1949 e 1964.

O concerto “Moacir Sinfônico” é apresentado amanhã na Lapa, sob curadoria da pesquisadora e flautista Andrea Ernest Dias – que também toca na orquestra. Especialista na obra de Moacir Santos, ela organizou as músicas e os intérpretes, conforme o trabalho que o maestro fez na rádio, à qual chegou no final dos anos 1940, inicialmente como saxofonista, passando depois a escrever arranjos e a reger seus músicos a convite do então diretor artístico da emissora, Paulo Tapajós, ao lado de Radamés Gnattali (1906-1988), Leo Peracchi (1911-1993) e Lyrio Panicalli (1906-1984).

“Além de compositor, embora haja também músicas dele no programa, o Moacir era um famoso arranjador. É essa a vertente dele que está sendo focada”, explica o maestro Tobias Volkmann, que rege a Sinfônica da UFF. “Tentamos reproduzir com a sinfônica a sonoridade que ele fazia na época, orquestrada dentro de uma linguagem de música popular, brasileira ou internacional. Mais do que isso, trata-se de uma fusão de sonoridades, mas dentro de um ambiente sinfônico. Ele próprio escreveu arranjos dentro da orquestra sinfônica”, acrescenta.

Outra definição para os arranjos “É aquilo que o Radamés [Gnatalli] chamava de ‘orquestra semiclássica’”, como aponta Andrea Ernest Dias, que lembra o trabalho redobrado feito pelos maestros até meados do século passado para reproduzir os arranjos de músicas estrangeiras. “Naquela época, não se importavam partituras com a facilidade que se passou a ter depois. Então, cada maestro escrevia sua orquestração para composições como músicas do cinema americano, que a Orquestra da Rádio Nacional tocava em seus programas”.

Dessa linha cinematográfica, o programa de “Moacir Sinfônico” vai do tema de “Volta ao mundo em 80 dias”, composto em 1956 por Victor Young, a “Invitation” (Bronislaw Kaper/Paul Francis Webster), que foi incluída trilha de “A life of her own” (no Brasil, “Perdidamente tua”), de 1950, e posteriormente se tornaria um standard do jazz, com versões marcantes, como a de John Coltrane, em 1960.

As vozes de Áurea Martins e Marcos Sacramento dão vazão ao repertório popular dos anos 1950 e 1960, do samba-canção e da Bossa Nova, como “Na Baixa do Sapateiro” (Ary Barroso), “Cadeira vazia” (Lupicínio Rodrigues) e “Camisa listrada” (Assis Valente). Elas marcam o universo cinquentista ao lado do romantismo exacerbado de “A noite do meu bem” (Dolores Duran), do mambo “Covarde” (Getulio Macedo/Lourival Faissal) e da cubana “Babalu” (Margarita Lecuona).

Eram canções que Moacir e outros maestros arranjavam na emissora e regiam sua orquestra para acompanhar, ao vivo, cantores como Dalva de Oliveira, Angela Maria, Lúcio Alves, Elizeth Cardoso e Orlando Silva. E Áurea Martins, hoje com 78 anos. “A honra de tê-la com a gente, além de ser essa grande cantora, é que ela ainda chegou a fazer parte do casting da Rádio Nacional, pegando o finalzinho, ao lado da Elis Regina e da Alaíde Costa, que eram as novíssimas cantoras de então. Um elo de memória viva”, ressalta Andrea Ernest Dias. Duas décadas mais novo, Sacramento, de 58 anos, é, segundo a curadora, “talvez o melhor representante atual para a voz desses cantores”.

A passagem para Bossa Nova marca presença com as lembranças de Baden Powell e Vinícius de Moraes, em “Consolação”; e de Nara Leão, com “Nanã”, do próprio Moacir, com letra de Mário Telles – gravada por ela em seu álbum de estreia, em 1963. Dois anos depois, “Nanã” seria regravada sem voz, apenas em instrumental, como “Coisa nº5”, no álbum “Coisas”, o mais festejado do maestro que, após mais dois anos, em 1967, se mudaria para os Estados Unidos, onde viveria até o fim de sua vida, compondo material para trilhas sonoras de cinema, além de lançar seus álbuns a partir do mercado internacional.

A parcela do concerto dedicada às composições do próprio Moacir Santos inclui ainda “Lembre-se” e “Se você disser que sim” (ambas dele com letra de Vinícius de Moraes e gravadas por Elizeth Cardoso), “Melodia para trompa em fá” e “Anfíbio”, primeira música a tocar na Rádio Nacional, em 1949, sob um arranjo feito pelo Moacir Santos, que a havia trazido de seus tempos de maestro da jazz band da Rádio Tabajara, de João Pessoa, onde havia trabalhado nos dois anos anteriores, marcando o fim da peregrinação que fizera pelo Nordeste, após sair de sua cidade natal, Flores (PE), aos 14 anos, e rodar região com diversas bandas.

Histórias em comum

Não é só Áurea Martins que entremeia sua história com a da Rádio Nacional, onde a própria OSN UFF tem sua origem, como lembra a pesquisadora. “A Sinfônica Nacional tem sua ligada à Rádio Nacional. Ela fundada em 1961, por um decreto do JK [Juscelino Kubitschek, então presidente] com remanescentes da Rádio Nacional, porque os grupos foram se diluindo e , assim, muitos músicos ficaram meio perdidos. Então, a orquestra foi ligada à Rádio MEC e funcionou como orquestra de radiotransmissão para estrear obras sinfônicas, sob regência de maestros como Guerra-Peixe [1911-1993], Francisco Mignone [1897-1986], o próprio Radamés Gnatalli e até o Edino Krieger [hoje, com 90 anos]”.

Isaac Karabtchevsky e John Neschling, assim como solistas como o pianista Nelson Freire, também passaram pela OSN, que quase acabou nos anos 1980, até ser incorporada pela UFF, em uma parceria iniciada em 1984.

SERVIÇO

ORQUESTRA SINFÔNICA NACIONAL UFF

MOACIR SINFÔNICO. Sala Cecília Meireles (Largo da Lapa, 47, Lapa); Tel: 2332-9223). Hoje, às 18h. Entrada: R$ 40/ R$ 20.