A luta nos proporciona momentos de pura poesia

Por Mônica Francisco *

A riqueza dos bairros populares, periferias, favelas, ou qualquer outra categoria em que se enquadrem os lugares onde o povo habita, vive, sobrevive e constrói histórias maravilhosas de superação, resiliência e que demonstra cotidianamente uma valentia dramática e poética empregada na arte do sobreviver.

Assim, seja na arte da autoconstrução, da engenharia da sobrevivência, que sobe morro acima ou faz viver em lugares que desafiam nossa imaginação. Seja na arte que se derrama para a cidade e faz viciar os que se acham imunes a eles (os lugares da nossa gente), e de sua fauna, invisível, ou melhor, invisibilizada diariamente para fazer fingir a outra gente, que habita o lugar do "oficial,formal", que não existem fora da sua cozinha.

Como vive aí essa gente? Como vive aí, depois das enchentes, das balas que rasgam suas casas, suas vidas? Como fazer perceber a toda essa gente que lá, no lugar da falta meticulosamente calculada e urdida para isso mesmo, ou seja, faltar para manter essa gente assim, à margem da vida, do direito, transforma a falta em possibilidade.

Mas quando percorremos a periferias, as franjas, as margens, as bordas, nos deparamos com um turbilhão de fazeres, de saberes, de encantamentos, de perfumes, de sorrisos.

Por trás das narrativas de dor do Complexo do Alemão, descobrimos a beleza da solidariedade, e que ela existe e circula (como no caso do jovem autista), como uma sombra subversiva nos becos da favela, vai buscar seus frutos na ruas da cidade formal e volta para alimentar seu povo de esperança, e nos faz pensar que ainda vale a pena.

Estive na Vila Kennedy, em um seminário apoiado por uma instituição que atua no bairro, e teve como ponto alto, a mobilização e a vontade dos moradores da "VK", em ressignificar o seu lugar. Como Milton Santos dizia, o lugar é o lugar onde o humano se manifesta, com sua pertença, afetos, trocas, e porque não dizer, lutas.

A beleza do festival de pipas do Borel, organizado pelos próprios moradores, colorindo a linda paisagem, de céu azul, montanha e pedra ao fundo e sol de fazer sorrir qualquer mortal, é de uma força, de uma potência. Parece que o domingo parou, ficou lindo só para receber aquele mar de colorido, agitados por dedos que tinham sorriso esculpido no rosto. Uma cena digna dos quadros de Portinari. Uma beleza.

Assim, a luta nos proporciona momentos de pura poesia, seja na pipa que enfeita o céu, seja na contenção das diferenças ou para melhorara nosso lugar. Foi assim com elas, as Margaridas. Marchando por justiça social, marchando para honrar a memória da paraibana que deu sua vida pela certeza de que a luta é necessária, tão quanto como viver.

Li em comentário muito interessante, uma frase que dizia que os que a mataram, não dimensionaram o tamanho da plantação que aquela semente iria gerar. E foi assim, elas encheram Brasília, encheram nossos olhos de esperança  e de certeza de que a solidariedade e a luta adicionados a um pouco utopia, faz muito bem e não está fora de moda, pelo contrário.

"A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO, à REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO, ao MACHISMO, À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER e à REMOÇÃO!"

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@ MncaSFrancisco)