O novo round da Farra dos refrigerantes

Lobby do xaropinho se arma amanhã contra Paulo Guedes, em Brasília

Por Gilberto Menezes Côrtes

O lobby dos concentrados de refrigerantes, que reúne as gigantes Coca-Cola, AmBev e holandesa Heineken (sucessora da Brasil-Kirin, que levou a antiga Schincariol) não aparece nas fotos e na programação, mas é um dos grandes sujeitos ocultos do seminário “A importância da Zona Franca de Manaus para o crescimento do país” que o jornal Correio Braziliense organiza nesta quinta-feira, 11 de abril, em Brasília, para discutir os pleitos da ZFM de que é um dos maiores sorvedouros de subsídios do país.

Segundo estudos da Secretaria da Receita Federal, em 2016, os subsídios ao setor de refrigerantes, que teve nas grandes multinacionais a concentração da produção do concentrado de refrigerantes (os xaropes) um fonte de déficit de R$ 9,1 bilhões em 2016, valor que saltou para mais de 11 bilhões em 2018 e pularia para R$ 15 bilhões este ano se não fosse a decisão do governo Temer de reduzir de 20% para 4% a alíquota do IPI sobre o concentrado de sucos e refrigerantes produzidos pelo quarteto de multinacionais (a Pepsi resolveu sair do Brasil depois da redução do IPI), como forma do governo compensar os subsídios ao óleo diesel, após a greve dos caminhoneiros.

Caro leitor, você não está entendendo como a redução de IPI pode ser condenada por empresário? Pois é, mas esta foi a reação da Abir (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas), que representa as grandes marcas do setor, que lutou durante todo o 2º semestre do ano passado, com apoio da bancada de senadores e deputados federais do Amazonas, para reverter a decisão.

O crédito prêmio é o Xis da questão

Antes da greve dos caminhoneiros, havia aplicação de IPI sobre a venda do concentrado das fábricas para os engarrafadores, de 20%. Porém, por estarem localizadas na Zona Franca de Manaus, as fábricas de concentradas estão isentas do imposto. Mais que isso: ao venderem o concentrado para fora do polo industrial era dado um crédito tributário equivalente a 20% do valor da operação, o qual pode ser usado no abatimento de outros tributos, como IR (Imposto de Renda) e CSLL (Contribuição Social Sobre Lucro Líquido).

O esquema gera uma situação esdrúxula na qual as fábricas geram mais crédito tributário do que pagam em impostos. Contra esse benefício há muito se insurgia a Afrebras (a Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil), presidida por Fernando Rodrigues de Bairros, empresário do Paraná, que defende a aplicação de isonomia tributária a partir da ZFM.

Quando o ex-presidente Temer reduziu a alíquota do IPI de 20% para 4%, o que deveria ser comemorado por qualquer empresário, gerou um coro de críticas, liderados pelos políticos que atuam em defesa dos privilégios das grandes maquiladoras que operam na ZFM. Muitas fábricas de eletroeletrônicos e motos, de fato, produzem e empregam muita gente em Manaus. Mas não é o caso da turma representada pela Abir, presidida pelo filho do ex-ministro Nelson Jobim, Alexandre Kruel Jobim.

As fábricas que maquiam em Manaus a produção dos concentrados de refrigerantes (ou xaropes) de cola, mate, guaraná e sucos compram a matéria-prima fora da ZFM de Manaus. Lá “esquentam” ou embalam os produtos em grandes bombonas e redistribuem para engarrafadores de todo o Brasil acumulando créditos prêmios de IPI. Elas empregam apenas 235 funcionários em Manaus, contra 28 mil empregados dos 106 fabricantes de refrigerantes de todo o Brasil representados pela Afrebras.

A rigor, só o guaraná, produzido em larga escala nas regiões de Maués e Teffé, é do Amazonas. O xarope de Coca é um segredo. Não se sabe sua fórmula e procedência. O concentrado de mate do Matte Leão (controlado há dez anos pela Coca-Cola), vem, sobretudo, de São Mateus do Sul, no Paraná, e seu preço multiplica mais de 50 vezes no trajeto para gerar crédito-prêmio de IPI. No caso dos sucos de laranja e limão, produzidos sobretudo em São Paulo, a situação se reproduz em escala menor. Idem nos concentrados de frutas vermelhas, pêssego, manga, maracujá, abacaxi, uva e caju, cuja produção se divide entre o Sul, Sudeste e Nordeste.

Ainda assim, houve uma forte articulação, em agosto do ano passado para os senadores do AM, Eduardo Braga (MDB), Omar Aziz (PSD) e Vanessa Grazziotin (PCdo B) derrubarem o decreto de Temer, com apoio do tucano cearense Tasso Jereissati, que é o maior engarrafador de Coca-Cola do país e um dos 15 maiores do mundo. O casamento da fome com a vontade de comer. Vanessa Grazziotim não foi reeleita. Mas já na campanha Paulo Guedes, que é rápido no gatilho e no entendimento da dinâmica dos assaltos aos cofres públicos via subsídios, logo se manifestou contra o passeio das notas fiscais.

Mesmo assim, o lobby ganhou tempo e fez Temer voltar atrás. A alíquota de 4% do IPI, que valeria este ano, subiu para 12% no 1º semestre e passa a 8% a partir de julho, prolongando a farra dos refrigerantes. Já ministro da Economia, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo” em março, ao se referir à Zona Franca de Manaus, Paulo Guedes, depois de ser pressionado pelo governador do Amazonas, Wilson Lima a prorrogar as alta alíquotas do IPI para 2020: chegou a argumentar que a bancada pedia bilhões para “produzir xaropinho”.

Conta de R$ 10 bilhões

Para cada lata de refrigerante vendida no país, as grandes multinacionais ganham R$ 0,37 por lata de refrigerante de Coca-Cola, como subsídio na compensação do crédito-prêmio do IPI contra outros impostos federais. Nos demais refrigerantes ganham ainda mais, aumentando ou diminuindo o teor do concentrado nos refrigerantes de guaraná que produzem.

Na avaliação do presidente da Afrebras, o sistema voltado para a ZFM é usado como manobra para distorcer, agudamente, a tributação do setor. Além disso, segundo ele, incentiva o álcool através de compensação cruzada, da mesma forma que interfere na concorrência, uma vez que as algumas empresas localizadas no território brasileiro têm carga tributária efetiva menor que a do Simples Nacional, como Coca-Cola e Ambev.

A grande indústria de refrigerantes e outras bebidas açucaradas recebeu mais de R$ 10 bilhões em autos de infração da Receita Federal nos últimos três anos. O Fisco ainda diz que as empresas se beneficiaram de incentivos que, por ano, fazem o governo perder R$ 4 bilhões em impostos. No ano passado, a Receita Federal instaurou investigação para apurar se a Coca-Cola superfatura seus produtos para ampliar o lucro na Zona Franca de Manaus, onde fica sua fábrica. Desde 2015, o fisco americano cobra US$ 3,3 bilhões da Coca em royalties devidos por sete países, incluindo o Brasil, que é superado pelo México, como maior consumidor da bebida fora dos Estados Unidos.

As aparências enganam

Pois sob o pretexto de defender os nobres propósitos da ZFM, cujos incentivos foram prorrogados até 2073 (um absurdo quando o país corta benefícios sociais para equilibrar o rombo da Previdência), o Correio Braziliense reúne amanhã um grupo de técnicos que vão levantar os mais disparatados argumentos, em defesa de privilégios. Na lista dos convidados estão o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, consultor da Coca-Cola, o presidente do TCU, José Mucio Monteiro; o ministro do TCU, Bruno Dantas; a ministra aposentada do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie e o superintendente da Zona Franca de Manaus (Suframa), coronel Alfredo Menezes.

 

Para o presidente da Afrebras, a Zona Franca de Manaus precisa ser defendida para o desenvolvimento do Brasil, mas sem manobras que beneficiem as multinacionais e grandes empresas de bebidas. Fernando Rodrigues de Bairros lembra que a preocupação de Paulo Guedes em fazer poupança fiscal e redistribuir inversamente os sacrifícios para os maiores beneficiados deveria contemplar, no caso do IPI do “xaropinho”, um ajuste em favor dos pequenos produtores que empregam mais gente, mas podem fechar pela competição desigual com os grandes, que contam com preços subsidiados pelo Estado.