Fintechs e Insurtechs: algumas considerações regulatórias

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O objetivo desse texto é o de fornecer algumas considerações aos leitores brasileiros, sobre o arcabouço teórico em desenvolvimento no exterior, para melhor compreensão do papel e das implicações associadas com a implantação das chamadas, fintechs e insurtechs em território nacional.

Qualquer avaliação das implicações das fintechs sobre o grau de concorrência, a estabilidade do sistema financeiro, o risco sistêmico e a proteção ao consumidor e, consequentemente, sobre a eventual necessidade de regulação são desafiadoras. O setor ainda é algo novo e a disponibilidade de dados oficiais e abrangentes de suas atividades, limitada.

O que é viável neste momento é desenvolver uma estrutura que defina o alcance das atividades das fintechs e identifique os benefícios e riscos potenciais para a estabilidade financeira de modo a permitir análise e monitoramento futuros. Também é importante entender como são os modelos de negócios dos startups tecnológicos e como as empresas incumbentes e a estrutura do mercado estão mudando. Dado o tamanho atual das fintechs em relação ao do sistema financeiro geral, esses riscos parecem ser pequenos.

Certamente, existem várias questões levantadas pelo movimento fintechs que merecem atenção das autoridades a fim de garantir que as inovações fluam de forma responsável, compatível com a resiliência e a estabilidade financeira e com a proteção ao consumidor. Embora essas questões não sejam novas, elas podem ser acentuadas pela alta taxa de crescimento das fintechs, pelas novas formas de interconexão e pelo aumento da dependência de provedores de serviços terceirizados.

É um truísmo que se a tecnologia altera os serviços financeiros e a estrutura do mercado, a regulação deve se adaptar para permanecer efetiva. Por sua vez, a regulação tem uma influência importante no desenvolvimento da tecnologia. Nem a tecnologia nem a regulação são exógenas umas das outras. A regulação financeira existe devido a vulnerabilidades e imperfeições que enfraquecem a estabilidade financeira, prejudicam a eficiência do mercado e expõem os consumidores a riscos de perdas não precificadas.

Daí os objetivos de fornecer incentivos para que as instituições tenham em conta o risco sistêmico; proteger os consumidores onde a informação é difícil ou dispendiosa de obter e apoiar a concorrência. Na perseguição desses objetivos, a regulação deve ser proporcional ao contributo de cada entidade para o risco sistêmico.

Além disso, deve ser flexível e permitir que a arbitragem regulatória entre os entes não regulados e regulados seja monitorada e ajustada para garantir que os riscos sistêmicos estejam contidos e os objetivos da regulação sejam alcançados.

A regulação financeira ajuda a apoiar a confiança no sistema financeiro, pois o financiamento envolve a criação de valor agregado através da transferência de ativos e indenizações entre entidades (por exemplo, pagador e segurado), bem como ao longo do tempo (empréstimos). Requer confiança entre todas as entidades envolvidas e para o ativo que está sendo transferido. A falta de confiança nos intermediários e nos processos pode prejudicar o funcionamento dos mercados financeiros. As mudanças tecnológicas podem afetar a confiança em todo o mercado e induzir os participantes a buscá-la em outros setores que não os tradicionais como bancos, com resultados incertos.

Os startups financeiras que se desenvolvem fora dos limites do quadro de supervisão e regulação podem levar ao surgimento de novos riscos. Primeiro, as tecnologias emergentes podem acelerar significativamente a velocidade e o volume das transações financeiras, embora não seja claro se isso promoverá a estabilidade financeira através de descobertas de preços mais eficientes ou se levará a maior volatilidade e instabilidade de preços. Maior dependência de transações automatizadas poderia potencialmente aumentar a volatilidade do mercado devido a maiores correlações dos preços dos ativos. Segundo eventual adoção de certos algoritmos e soluções tecnológicas podem aumentar a vulnerabilidade a ataques cibernéticos. Terceiro também pode aumentar o risco de concentração em cadeias chaves dentro do sistema global à medida que as estruturas de mercado se ajustam e as redes de interconexão se fortalecem. Quarto, se os serviços forem cada vez mais ofertados por várias empresas especializadas em oposição a grandes intermediários verticalmente integrados, pode haver menos controles no processamento de dados e na gestão de riscos.

 

Os caminhos das fintechs: como ganhar confiança da sociedade

Isso significa que, para as fintechs, há um logo caminho a percorrer até ganharem a plena confiança da maior parte dos consumidores de produtos e serviços financeiros. No futuro, as redes e os novos tipos de provedores de serviços precisarão encontrar formas de ganhar a confiança dos usuários. A regulação certamente terá um papel crítico a desempenhar nesse processo.

No desenvolvimento de abordagens regulatórias para as fintechs, alguns países e jurisdições estão implantando enfoques diferenciados e flexíveis que chamaram de “caixas de areia” regulatórias (“sandboxes”). Tais “caixas” permitem às empresas testar novas tecnologias e modelos de negócios em ambiente controlado em que podem realizar ensaios piloto de serviços e produtos financeiros inovadores em tempo hábil e de forma econômica antes que sejam lançados em escala maior

Critérios de elegibilidade: para se qualificar as regulações menos exigentes previstas nas sandboxes, o produto ou serviço financeiro a ser testado deve envolver inovação genuína, isto é, usando tecnologias novas ou emergentes ou usando as tecnologias existentes de forma inovadora e deve ter o potencial de resolver um problema real ou trazer benefícios aos consumidores ou à indústria. Outros critérios incluem ter os recursos necessários, um plano de negócios completo e um produto ou serviço preparado para testes. A intenção de implantar o produto ou serviço na jurisdição da sandbox é frequentemente incluída como um requisito.

Salvaguardas: a maior parte das sandboxes incluía alguma forma de salvaguarda para mitigar os riscos e conter as possíveis consequências dos testes ao vivo. As salvaguardas geralmente incluem restrições ao escopo do teste, incluindo o número e tipo de clientes, a duração, o valor total e, em jurisdições mais detalhistas, os produtos e serviços específicos que podem ser testados. Algumas sandboxes também exigem medidas adicionais de proteção ao cliente, tais como mecanismos de compensação, resolução de disputas, mecanismos de reparação, e requisitos específicos de divulgação e consentimento. Outras salvaguardas incluem controles de gerenciamento de risco (por exemplo, contra-ataques cibernéticos e interrupções do sistema) e requisitos de monitoramento e relatórios.

A opção dos sandboxes regulatórios fornecerá informações valiosas para os formuladores de políticas na compreensão das novas tecnologias e de suas aplicações, mas não é um substituto de quadros regulatórios efetivos e permanentes que acabarão por ser implementados com a maturidades das inovações.