Análise econômica X dicas de investimento

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O caro leitor que acompanha esta coluna já deve ter percebido que priorizo as análises econômicas e evito, terminantemente, as orientações e dicas de investimento. Em primeiro lugar, porque sou jornalista de economia, com 53 anos de atuação (a completar em abril). Só analistas de investimento, devidamente registrados na Anbima e reconhecidos pela Comissão de Valores Mobiliários podem orientar investimentos (e ainda, assim, procure ver que instituições estão por trás do profissional para não cair em pirâmides ou operações sem o devido registro escritural). O “crypto-gate” do presidente da Argentina, Javier Milei, está fazendo uma semana e deve servir de alerta (se não bastassem as diversas pirâmides de cripto moedas que já estouraram no Brasil para acender o alerta vermelho).

Há um velho tripé no mercado financeiro: segurança-liquidez-rentabilidade. Quem quer segurança deve abrir mão da rentabilidade para ter liquidez quando precisar do dinheiro. Neste caso, a aplicação mais líquida e segura é em fundos de DIs (geralmente lastreados em títulos do Tesouro). Quem privilegia rentabilidade deveria saber que está arriscando a segurança e a liquidez. Aplicar em renda fixa exige seleção dos riscos. No mercado de ações, o aconselhamento de um bom analista, capaz de ponderar os riscos da atividade macroeconômica com as oportunidades de sucesso desta ou daquela empresa, é fundamental.

Nos anos 80, era responsável técnico por um programa de uma produtora independente (Sérgio Waissman) exibido na TV Bandeirantes desde julho de 1985 “Ação & Investimento”. Depois do Plano Cruzado (28.02.1986), quando os preços foram congelados por Sarney e a inflação veio a zero, reduzindo os ganhos (nominais) na poupança e no “overnight”, era até desagradável ir à praia ou a um grande supermercado. Na praia, amigos de um irmão puxavam assunto sobre economia e esta ou aquela ação, que evitava. Nos supermercados, minha mulher à época, desistiu de me acompanhar, pois era parado com o carrinho de compras por alguém que queria uma dica do mercado. Uma sobrinha, hoje brilhante advogada, resumiu na época minha presença na praia: “Tio Gilberto é um saco, só sabe falar de Sarney, Imposto de Renda e ORTN” (sic).

Um dos motivos de evitar falar sobre ações – que deixava a cargo dos analistas entrevistados nos programas – era a memória de sucessivos fiascos no mercado de ações. E no “ambiente de inflação zero” do Cruzado, que durou menos de quatro meses (o boi ou o garrote engordando no pasto “rendia” mais que a poupança, por isso faltou rês para o abate). Houve um caso exemplar em 1986, quando proliferaram lançamentos de ações (hoje chamados de IPO): a Cobrasma, que produzia vagões para trens e metrô e pertencia ao então presidente da Fiesp, Luiz Eulálio de Bueno Vidigal, convidou analistas do mercado para a apresentação de seu IPO. As projeções eram de um lucro no fim do ano de CZ$ 400 milhões. Meu velho conselheiro de assuntos de ações (ex-colega do André Maurois), o economista Álvaro Bandeira, que presidia a Abamec-Rio, foi na visita e me narrou dúvidas e ressalvas. Batata. Em março-abril de 1987 sai o balanço com uma guinada de 180 graus: um prejuízo de mais de CZ$ 450 milhões. Uma das causas foi a proibição para os bancos oficiais (especialmente o BNDES) financiarem metrôs e ferrovias públicas. As encomendas encalharam.

Temos um caso exemplar no momento: os sucessivos insucessos das empresas do grupo Cosan, do empresário Rubens Ometto. O conglomerado liderado pela Cosan, gigante do açúcar e do álcool e que enveredou pela gestão de terras (compra e venda e arrendamento, via Radar), pela distribuição de combustíveis e lubrificantes, em parceria com a Shell, (a Cosan tem 33,63% do controle). A Raízen divulgou dia 17 de fevereiro, segunda-feira, o balanço dos primeiros nove meses de 2024 (para acompanha o ano-safra da cana): um megaprejuízo de R$ 2,6 bilhões.

A empresa não fala claramente, mas ao insinuar a defasagem do preço do diesel (o produto mais vendido no país, que ela compra no mercado internacional), mostra uma saudade do jogo fácil de quando estava em vigor o PPI (sistema de paridade de preços internacionais) para os combustíveis da Petrobras, que atrelavam os preços internacionais à variação do câmbio). Enquanto o PPI esteve em vigor – fins de 2017 (governo Temer) a maio de 2023 (governo Lula, que “abrasileirou” os preços, com a Petrobras nas refinarias que passaram a operar com 94% da capacidade instalada, contra 73% no fim do governo Bolsonaro, face aos planos de privatização de 50% do parque de refino, usando 70% do petróleo mais leve do pré-sal, extraído a baixo custo pela estatal), a Raízen, as demais distribuidoras e produtoras de álcool conseguiam empurrar os custos para a frente.

A Rumo, com as quedas nas safras de soja e milho no Centro-Oeste, MaToPiBa e Sudeste, fechou o quarto trimestre de 2024 com prejuízo de R$ 259 milhões, mas ainda acumulou lucro líquido ajustado de R$ 2,089 bilhões. Mas o inferno astral da Cosan foi a aventura de investir inicialmente R$ 11 bilhões em 30 de novembro de 2023 em 5,11% do capital da Vale (3,38% de forma indireta e 1,74% de forma direta). O mercado da Vale virou de ponta cabeça no ano passado e a empresa, endividada, foi vendendo ativos até se desfazer da fatia da Vale, com grandes prejuízos no mês de janeiro, conforme análise do BTG-Pactual.

Uma dica furada

Mas vejam neste “post” do site Agrolink, em 29 de maio de 2024, analisando em estilo oba-oba o prejuízo consolidado de R$ 192 milhões do grupo Cosan no 1º trimestre do ano passado, porque evito fazer indicações:

“A Cosan (CSAN3) divulgou seus resultados financeiros para o primeiro trimestre de 2024 (1T24), reportando um prejuízo líquido consolidado contábil de R$ 192 milhões. Embora a empresa ainda esteja operando no vermelho, este valor representa uma significativa redução de 79% em comparação ao prejuízo de R$ 904,1 milhões registrado no mesmo período de 2023. Esta melhoria substancial nos resultados financeiros é um indicativo positivo para os investidores e para o mercado, mostrando que a Cosan está no caminho certo para reverter sua situação financeira adversa”.

A venda de terras da Radar, de usinas de açúcar e da posição da Vale mostra outra realidade. E o sonho grande de Ometto era ser o maior acionista da Petrobras privatizada.