Qual a bússola do mercado?

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Por Gilberto Menezes Côrtes

Gilberto Menezes Côrtes

Nenhum governo ou ministro de finanças (Fazenda, Economia ou Planejamento) guia seus passos pelo comportamento dos índices de ações ou pela taxa de câmbio. O Banco Central, que tem por missão proteger a moeda, desde janeiro de 1999, usa o sistema de metas de inflação (para calibrar as taxas de juros básicas, que por sua vez impacta o câmbio e a inflação). A evolução da inflação e da economia impacta as receitas fiscais e a capacidade de gastos dos governos, cujo resultado final são superávits ou déficits fiscais, que por sua vez, vão afetar o endividamento público e a solvência do Estado.

Assim, não se deve maximizar a importância das reações de um dia de mercado a uma fala do presidente eleito, Lula. Se ontem o dólar subiu mais de 4% e o índice Bovespa caiu mais de 3,5% quando Lula priorizou o combate às desigualdades sociais às metas de inflação e “a tal da estabilidade fiscal”, hoje, pela manhã, o dólar já caía mais de 2% e o Ibovespa avançava mais de 1,22%.

Os diversos mercados (ações, moedas, commodities e juros) são mais estruturados nos contratos futuros do que nos negócios à vista. Estes funcionam mais para dar liquidez às mudanças de posições futuras quando as expectativas mudam por fatores externos. O mundo está vivendo quadra de incertezas, com pressões inflacionárias causadas pela alta do petróleo e combustíveis diante da prolongada guerra entre Rússia e Ucrânia. A Rússia era responsável por fornecer pelo menos 45% de gás natural aos países europeus.

A inflação generalizada levou os principais bancos centrais a elevar os juros, situação que afeta o Brasil. O diferencial de juros (mais altos no Brasil que nos Estados Unidos) facilita atrair capitais para o Brasil (no momento, com saldos comerciais ainda elevados, o Brasil é menos dependente de investimentos estrangeiros diretos para cobrir déficits em conta corrente - balança comercial + serviços e renda de capitais, como juros e remessas de lucros).

É paradoxal. Num país que estourou metas de inflação em 2020, 21 e 22, o Banco Central do Brasil foi elogiado por ter se antecipado aos demais BCs no combate à inflação (desde fins de junho a Selic está em 13,75%). Como os demais bancos centrais, a começar pelo Federal Reserve Bank dos Estados Unidos, elevaram os juros fortemente desde março deste ano (o Fed está com juros de 4,25% ao ano), o diferencial diminuiu, mas segue favorável ao Brasil.

Uma eleição no meio do caminho

A questão econômica ficou sensível porque para tentar se reeleger contra o ex-presidente Lula, o presidente Jair Bolsonaro fez uso desmedido da máquina pública e foi estourando todas as regras de prudência fiscal. Com a alta dos combustíveis, a arrecadação (federal e dos estados e municípios) estava crescendo muito. Mas isso pressionou a inflação de forma generalizada. O BC elevou os juros, mas a política monetária só devolveria a inflação ao centro da meta lá para 2024. Em outubro de 2022 tinha eleição e Bolsonaro precisava inverter a liderança de Lula nas pesquisas. Manter os juros altos comprimiria a recuperação do PIB, do emprego e da popularidade do candidato à reeleição.

O governo fez uma sucessão de medidas intervencionistas para turbinar a economia (em outros governos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, por muito menos, atiraria pedras nas vitrines). Deu calote nos precatórios (condenações de dívidas da União transitadas em julgado!) para reforçar gastos eleitoreiros. Antecipou o pagamento do 13º do INSS para maio e junho e liberou saques de R$ 1 mil do FGTS. O PIB cresceu 1,2% no 2º trimestre. Mas a inflação continuava a correr solta.

Faltava jorrar mais dinheiro para seduzir o eleitor, com novo furo no teto de gastos com o “estado de emergência econômica” aprovado pelo Congresso, para distribuir R$ 42,5 bilhões ao eleitor. Para derrubar a inflação até a eleição, havia um truque simples: aproveitando que a arrecadação estava crescendo muito, reduzir temporariamente (até 31 de dezembro) os impostos (e com isso baixar os preços) da energia elétrica, dos combustíveis e das comunicações. A gasolina era o alvo principal, pois é o item de maior peso entre os 377 pesquisados pelo IBGE no IPCA. A questão fiscal ficava para 2023.

Depois que Guedes pôs seu braço direito que acompanhava preços e a política econômica, o economista Adolfo Sachsida na pasta das Minas e Energia, em maio, o passo seguinte foi trocar a direção da Petrobras para que ela se alinhasse ao plano da reeleição. Dito e feito. Graças à redução temporária do ICMS (dos estados e municípios) e a isenção de impostos federais, acompanhado de redução de 35% no IPI, o governo baixou na marra a inflação do IPCA em julho (-0,68%), agosto (-0,36%) e setembro (-0,29%). A queda era centrada na gasolina. Os demais preços subiam de vento em popa.

Na manhã de 5ª feira, 10 de novembro, 10 dias após o 2º turno, o IBGE divulgou a inflação de outubro: 0,59%, muito acima das expectativas do mercado. Maquiada pela baixa dos itens Transportes, Habitação e Comunicações, a alta acumulada do IPCA no ano ficou em 4,70%, mas a alta da Alimentação e Bebidas foi mais do que o dobro: 10,32%, Vestuário acumula alta de 14,99%, Saúde e Cuidados Pessoais, 9,65% e Educação, 7,26%.

A interpretação foi de que o BC (independente desde 2021) pode ser mais rigoroso nos juros em 2023 (o mercado esperava as primeiras baixas no fim do 1º semestre; as apostas foram adiadas para o 2º semestre em nível maior em dezembro que os 11,25% anteriores ao IPCA (divulgado às 9 horas). O efeito imediato foi a disparada dos juros futuros (e do dólar, com queda do Ibovespa, por desmonte de posições futuras) na abertura dos negócios, às 10 horas.

BC também adota fala de Lula

A fala de Lula, feita a partir das 11 horas, já encontrou o mercado financeiro agitado, para reverter apostas futuras. E funcionou como jogar uma bola de fogo em meio à manada que já se movimentava. Como disse, dos Estados Unidos, a economista Mônica De Bolle, professora da Universidade John Hopskin, é estranho que o mesmo mercado não reagiu tanto aos sucessivos estouros de metas fiscais e de inflação na gestão Bolsonaro, acrescentando que a reação foi mais ideológica do que racional. Concordo em parte, dada a coincidência dos dados de que a inflação seguia descontrolada.

Muita gente devia consultar o site do Banco Central para perceber que desde que se tornou independente, por Lei, em fevereiro do ano passado, o BCB ajustou seu lema, que agora é: “Garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”.

A última parte da missão (“e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”) foi acrescentada na tramitação da Lei Complementar 179, de 24 de fevereiro de 2021, em adendo à Lei 4.5895, que criou o Banco Central do Brasil em 31 de dezembro de 1964. Num sentido largo ela contempla a decisão de Lula de priorizar o gasto social. Afinal, zelar pela moeda e o bem-estar econômico implica em bem-estar da população. O que não condiz com fome e miséria.

E o BB voltou a lucrar mais

A surpresa na temporada de balanços dos grandes bancos brasileiros foi o resultado do Banco do Brasil. Com ganho de R$ 8,099 bilhões no 3º trimestre, o BB superou por R$ 20 milhões o lucro líquido consolidado do Itaú (R$ 8,079 bilhões), que inclui as operações no Brasil (R$ 7,435 bilhões, 92% do total) e na América Latina (R$ 643 milhões, 8% do total). Por incrível que parece, o BB, que tem 80% do Banco Patagônia) e o Itaú tiveram fortes ganhos na Argentina.

O lucro do BB cresceu 6,2% no trimestre e 55,9% no ano sobre igual período do ano passado, com forte ganhos na arbitragem de juros. O Itaú teve aumento 5,2% no trimestre (Bradesco e Santander tiveram fortes perdas, por aumentos nas provisões para devedores). BB e o Itaú seguem o roteiro. Com os juros crescentes e a economia projetando desaceleração para 2023, todo cuidado é pouco. Além do Brasil, o Itaú aumentou as provisões na Argentina e no Chile.