E se a conta corrente virar pro azul?
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Em 1980, 1º ano da redemocratização no Brasil, Chico Buarque, em parceria com Francis Hime (ambos tricolores), criou a música “E se”, com 21 estrofes que começavam pela hipótese “E se”. A 1ª era “E se o oceano incendiar”. A 4ª era “E se o Botafogo for campeão”. A provocação dos tricolores fazia sentido: desde 1968, o time da estrela solitária não levantava um título (o que veio a ocorrer 21 anos depois, em 1989, contra o meu Flamengo). Pois ontem parecia que o Fogão ia disputar com o Flamengo o título do “Campeonato Carioca” de 2022. Ponho entre aspas porque não pode ser chamado de Carioca (gentílico de quem nasceu na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro) um torneio que reúne vários times de todo o Estado do Rio de Janeiro.
O gentílico do nascido no Estado do RJ é “fluminense”, mas, por questões bairristas e para não ferir suscetibilidades das torcidas rivais (Flamengo, Vasco, Botafogo e demais), quando houve a fusão (forçada pelo governo Geisel) do Estado da Guanabara (o município do Rio de Janeiro que virou estado após a transferência da capital federal para Brasília) com o antigo Estado do Rio, cuja capital era Niterói, adotou-se o inadequado nome de Campeonato Carioca para o torneio de reunia times da capital e outros de Campos dos Goytacases (Americano e Goytacaz), Nova Friburgo, Petrópolis, Volta Redonda etc. Para o torneio exclusivo com times da capital deu-se o nome de Taça Guanabara.
Pois ontem, após bater um apático Fluminense por 2 X 0, tirando a vantagem tricolor que vencera por 1 x 0 a 1ª partida, o Botafogo (SAF controlada pelo investidor John Textor) já se preparava para colher os “dividendos” de um quadrangular com o Flamengo para decidir o “Cariocão”, quando o Fluminense, no abafa, faz um gol aos 50 minutos. Aos 51, o veterano Fred, que saiu do banco para tumultuar, faz falta, leva cartão vermelho ao retardar a cobrança que poderia dar chance remota ao Botafogo e consegue o seu intento: o juiz fraco, como o jogo, encerra a partida diante do chamado “perigo de gol”. Quem poderá impedir um 3º tricampeonato do Flamengo é o tradicional Fla-Flu.
Os imprevistos também acontecem e são decisivos na economia. A guerra criada pela invasão da Ucrânia pela Rússia mudou completamente o cenário da economia mundial. A escalada dos preços de commodities cuja comercialização ficou prejudicada com as sanções comerciais e financeiras impostas à Rússia de Vladimir Putin pela coalisão dos Estados Unidos com a União Europeia em torno da OTAN, com adesão do Reino Unido, Japão, Coréia do Sul Austrália e outros países importantes complicou o cenário da inflação em todo o mundo, ampliando a pressão para os banco centrais elevarem os juros para conter a inflação após o arrefecimento da Covid-19. Mas o surto de novas variantes da Covid na China, que adotou “lockdown” em importantes centros industriais, voltou a ampliar os gargalos na cadeia mundial de suprimentos. Além de encarecimento de insumos industriais, haverá redução da expansão da economia mundial (incluindo a indústria nacional).
BC vê fortes ganhos nas contas externas
Para o Brasil, a avaliação do Banco Central, em box específico sobre as contas externa no Relatório Trimestral de Inflação, divulgado na 5ª feira passada, 24 de março, será um forte ganho na balança comercial, com a valorização de minérios, petróleo e produtos agrícolas (notadamente soja, milho e carnes). O Banco Central previu no relatório do 4º trimestre de 2021 (ano em que o país teve saldo na balança comercial de US$ 36 bilhões e déficit em transações correntes (BC + conta de serviços e conta financeira - juros e dividendos decorrentes dos investimentos diretos estrangeiros no país) de US$ 28 bilhões.
Depois da guerra, iniciada na última semana de fevereiro, o RTI assinala que “ as projeções para as contas externas de 2022 sofreram alteração substancial em relação ao Relatório anterior” (...) com a incorporação da “recente alta nos preços internacionais de commodities, resultando em aumento do saldo comercial e previsão de superavit para as transações correntes no ano. O saldo da balança comercial, que era estimado em US$ 52 bilhões, saltou para US$ 83 bilhões (+US$ 31 bilhões ou +59,6%). As exportações devem avançar de US$ 276 bilhões para US$ 328 bilhões (um salto de US$ 72 bilhões ou de + 18,84%). Já as importações (devido à baixa dependência do Brasil de combustíveis) devem aumentar apenas US$ 20 bilhões) de US$ 225 bilhões, previstos em dezembro, para US$ 245 bilhões (+8,88%).
Em função deste salto, o Banco Central também mudou radicalmente o cenário das transações correntes de 2022, que saiu de um déficit estimado em US$ 21 bilhões, em dezembro de 2021, para um superávit de US$ 5 bilhões este ano. Vale lembrar que o último superávit nas transações correntes foi obtido pelo Brasil em 2007 - US$ 1,712 bilhão. Mas era o fim da era de valorização das commodities causadas pelo forte apetite da China como compradora de alimentos e matérias primas no século 21, para sustentar uma economia que crescia a mais de dois dígitos ao ano.
O pico dos saldos comerciais brasileiros, iniciados em 2001, com US$ 1,5 bilhão, se deu em 2006, com US$ 45 bilhões. Já em 2008, como reflexo da crise financeira mundial deflagrada nos Estados Unidos, em agosto-setembro, as cotações despencaram e as exportações murcharam, arrastando as transações correntes para o vermelho: déficit de US$ 28,192 bilhões em 2008 foi se agravando até o abismo de US$ 101,6 bilhões de 2014, causados pelo represamento do câmbio e dos preços dos combustíveis para garantir a reeleição da presidente Dilma.
Dá para repetir a trajetória
A Genial Investimentos destaca que “a atualização das projeções reforça cenário favorável das contas externas. Projeta-se o primeiro superavit da conta corrente desde 2007, resultado do saldo comercial significativamente positivo – o maior valor em dólares da série histórica – e do patamar contido dos deficits em serviços e rendas. Os investimentos diretos no país, por sua vez, devem continuar em volumes relevantes”.
O RTI diz que “o aumento significativo na projeção para as exportações reflete a expectativa de preços internacionais mais altos, com destaque para os preços do petróleo e de derivados, mais diretamente afetados pelas sanções impostas à Rússia em resposta à guerra na Ucrânia. Os preços de grãos também se elevaram diante das incertezas quanto ao impacto do conflito nas exportações dos países envolvidos, bem como nos preços internacionais de fertilizantes. Espera-se, por outro lado, crescimento menor do quantum exportado, com o impacto negativo de problemas climáticos sobre a safra de soja da região sul do país e com expectativas menores para a produção da indústria extrativa local”.
E o relatório do Banco Central acrescenta que “o valor esperado das importações também foi afetado pela expectativa de preços internacionais mais altos, especialmente de combustíveis e fertilizantes. O quantum importado, no entanto, deve apresentar retração, mais em linha com a desaceleração da atividade doméstica – em particular, da indústria de transformação”.
Apesar desta afirmação, o RTI de março prevê melhora da indústria de transformação, pois a queda deste ano era estimada em 3,1% em dezembro e foi reduzida para -2,3%. A indústria como um todo em vez de cair 1,3%, encolheria só 0,3%, mercê de uma expansão de 1,8% na indústria extrativa mineral (era de 2,5% em dezembro, e de avanço de 3,3% na construção civil (0,1% apenas em dezembro).
Já o setor de utilidade pública (energia elétrica, telecomunicações, gás e limpeza urbana) inverteu uma queda de -2,2% para uma alta de 1,1%, devido às fortes chuvas que recompuseram os reservatórios das hidroelétricas do Sudeste e Centro Oeste e abriram caminho para a redução de tarifas de energia em maio.
Mercado prevê pico da inflação em abril
Nas previsões do mercado, colhidas pela Pesquisa Focus do Banco Central até a última 6ª feira e divulgadas hoje, a inflação medida pelo IPCA pode ter queda de 0,21/0,22% em maio com a revisão tarifária. Mas antes virá uma pedreira em março - o mercado prevê 1,26% nas previsões dos últimos dias uteis (mesma previsão da LCA Consultores; o Itaú prevê 1,31%), contra 0,55% há um mês; e 0,98% para abril. Isso elevaria a inflação em 12 meses para 11% e 12% em abril. Mas a queda em maio não seria suficiente para tirar o IPCA dos dois dígitos.
Por isso, o mercado que aposta em juros de 13,25% este ano, achou estranha a declaração repisada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que a Selic em 12,75 (prevista para a reunião de maio) é capaz de devolver à inflação à meta em 2023 (3,25% com tolerância de 1,50 ponto percentual). Na prática, o BC jogou novamente a toalha quanto à meta de 2022 (era de 3,50% + 1,50) pois admite inflação acima de 6% (o mercado está apostando em 7,10% nas previsões dos últimos cinco dias úteis). O efeito da timidez do Banco Central foi uma recuperação do dólar ante o real. Talvez o Banco Central tenha medo que uma rápida apreciação do câmbio no calor da disputa eleitoral no 2º semestre, comece a complicar o cenário de 2022. Melhor evitar o pior desde já?
Onde há fumaça há fogo?
O Boletim Diário da Genial Investimentos cita “Boatos de Fusão” para mencionar matéria do “Brazil Journal” de que há um boato de que a XP e o Nubank teriam iniciado conversas para um potencial fusão entre as duas empresas. A ideia seria de que o Nubank fizesse um investimento na XP, comprando parte das ações de seu fundador, Guilherme Benchmol. Questionado sobre a negociação, Benchmol negou categoricamente.
