Bolsonaro muda tudo para ficar onde está

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Por Gilberto Menezes Côrtes

Gilberto Menezes Cortes

Difícil saber quem é letrado neste governo de iletrados chefiado pelo presidente Jair Bolsonaro. Mas alguém andou lendo “O Príncipe”, de Niccoló Machiavelli, ou “Il Gattopardo”, do também italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Neste romance, sobre a decadência da aristocracia siciliana durante o Risorgimento (Renascimento), que antecedeu a reunificação italiana, - levado ao cinema por Luchino Visconti, com Alain Delon e Cláudia Cardinali, - D. Fabrizio, interpretado por Burt Lancaster, aconselha a seu sobrinho, Tancredi (Delon) a se casar com a herdeira de ricas propriedades para manter algum poder: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”, ensina cinicamente.

A lembrança veio à mente quando o presidente Jair Bolsonaro, acossado por 126 pedidos de “impeachment” protocolados na Câmara dos Deputados, presidida pelo fiel aliado Arthur Lira (PP-AL), para reforçar a blindagem e a união do Centrão contra votações na Câmara e no Senado, anuncia a intenção de uma nova mudança ministerial. Desta vez, o alvo seria uma nova troca na Casa Civil da Presidência da República onde mal esquentou a cadeira o general Luiz Eduardo Ramos, deslocado em 29 de março deste ano da Secretaria de Governo, onde substituíra em 2019 outro general, Santos Cruz.

O governo Bolsonaro está recheado de militares (mais de 6.000 ocupam cargos na alta burocracia). Uns comandam ministérios (como o general Braga Neto, que saiu em março da Casa Civil para o Ministério da Defesa), o almirante Bento Albuquerque comanda o MME, às voltas com o risco de apagão, o capitão e engenheiro Tarcísio de Freitas comanda o Ministério da Infraestrutura e o general Eduardo Pazuello fracassou no Ministério da Saúde. Outros, estatais, como Joaquim Silva e Luna (a Petrobras), que deixou Itaipu Binacional, onde foi substituído pelo general João Francisco Ferreira.

Mas o fracasso dos militares na articulação política, que nunca foi o forte nem mesmo de Jair Bolsonaro, apesar de ter atuado como deputado federal de 1991 até 2018, quando se lançou candidato à presidência, está levando o seu governo a rever posições dogmáticas de rechaçar a velha política para cair no colo do Centrão. Durante a campanha eleitoral ficou célebre uma frase do general Augusto Heleno, que é um dos sustentáculos do governo e passou a comandar o Gabinete de Segurança Institucional: disse Heleno, debochando da “velha política” que tem o Centrão como símbolo: “"Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão".

Pois o governo teve de recorrer a nada menos que um dos líderes do Centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente nacional do PP, para comandar a Casa Civil. O general Luiz Eduardo Ramos deve ir para a Secretaria Geral da Presidência, desde março ocupada por Onix Lorenzoni, que fora deslocado da Pasta da Cidadania. Para que Onix não fique de mãos abanando, poderá ser recriado o Ministério do Trabalho e Emprego (hoje na órbita do Ministério da Economia).

Como engolir sapos

O contorcionismo do governo lembra a velha frase do então governador Leonel Brizola quando fez aliança do PDT com o PT, de Luís Inácio da Silva, que o derrotara por pouco mais de 350 mil votos, para enfrentar Fernando Collor do PTN, no 2º turno de 1989. “Temos de engolir o sapo barbudo”. Pois apesar de o governo Jair Bolsonaro mostrar cada vez mais as cores verde-oliva, branco, ou azul escuro, de membros das forças armadas, a cada fracasso operacional, Bolsonaro tem de se sustentar no “velho e bom Centrão”, o partido amigo de todos os governos – até certo ponto.

O senador Ciro Nogueira já foi apoiador dos governos Lula e Dilma, do PT, de Michel Temer, do PMDB (hoje MDB) e de Bolsonaro. Sua máxima é “hay gobierno, somos a favor”. Seu grande feudo atual é a Codevasf. Agora, além de fortalecer seu poder de articulação na Casa Civil (com mais distribuição de cargos a aliados políticos às vésperas da eleição presidencial de 2022, na qual Bolsonaro chega desidratado e ameaçado pelas revelações da CPI da Covid), o clã dos Nogueira amplia seu poder. É que sua vaga no Senado será herdada por sua mãe, Elaine Nogueira, que foi eleita sua suplente.

Não está claro qual será a nova moeda de negociação de Ciro Nogueira nesses 10 dias que separam a volta de deputados e senadores às atividades após visita às bases durante o recesso parlamentar de meio de ano. Antes, como ficou claro na negociação do Orçamento Geral da União, aprovado em fins de março, o padrão eram tratores (retroescavadeiras para doações a prefeituras de aliados políticos). Agora, não se sabe, pela triplicação do fundo partidário (de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões), se o ajuste será semelhante.

Fracassos e esvaziamentos

O general Luiz Eduardo Ramos, um fiel seguidor e com ascendência sobre Bolsonaro, manterá posto chave no Palácio do Planalto. Mas o mesmo não se pode dizer de Onyx Lorenzoni e de Paulo Guedes. O primeiro deixa, mais uma vez, de ocupar um posto no Palácio do Planalto, depois de mais um retumbante fracasso. Tão logo saíram as denúncias dos irmãos Miranda sobre tráfico de influência e superfaturamento em negociações com vacinas na gestão Pazuello, Onyx, ao lado do ex-secretário-geral do MS coronel Élcio Franco (diretamente implicado na negociata), exibiu documentos que “desmentiam inteiramente” a versão dos irmãos. E ainda ameaçou processá-los por exibirem documentos falsos. Foi rapidamente desmentido pelos fatos e engoliu a gafe.

Apoiador de primeira hora do então deputado Jair Bolsonaro, de quem era colega no PP, esse deputado gaúcho já tinha mostrado incapacidade administrativa na gestão do Auxílio Emergencial, quando comandava o Ministério da Cidadania (responsável pelo Bolsa Família, cujo cadastro inicial foi triplicado pela falta de visão dos burocratas do governo, que poderiam ter cruzado dados do Bolsa Família, com os do Serpro, INSS e da Receita Federal para evitar que o Auxílio Emergencial inflasse com 67,5 milhões de dependentes. Alguns eram funcionários públicos, empresários ou militares da ativa ou aposentados.

Mas a ida de Onyx para uma recriada pasta do Trabalho e Emprego, que seria palanque eleitoral, visando reduzir os mais de 15 milhões de desempregados na crise da pandemia, além de arriscar a não dar certo, significa mais um enfraquecimento do czar da Economia, Paulo Guedes. De qualquer forma, como tem demonstrado empenho em ficar no cargo mesmo entregando muito menos do que prometeu, pode concentrar suas atenções nas reformas tributária (a cada dia muda os planos) e administrativa.

Trump lucra fora do governo

O político demagogo Donald Trump, ainda esperneia que as eleições que perdeu por mais de 7 milhões de votos e por larga maioria no Colégio Eleitoral, foram fraudadas. Mas o especulador imobiliário Donald John Trump deve estar bem satisfeito com a recuperação da economia americana depois que saiu da Casa Branca, em 20 de janeiro.

Os investimentos residenciais devem ter contribuído positivamente para a expansão do PIB norte-americano no 2º trimestre, assinala o Departamento de Estudos Econômicos do Brasil. De maio para junho houve um volume anualizado de 1,643 milhão de unidades, e alta mensal de 6,3% nas construções residenciais, o maior nível desde março.

Se fosse reeleito, talvez não daria tão certo, pois estava fazendo pouco empenho na vacinação, que avançou muito com Biden. A vacinação só não deslancha mais porque os cidadãos republicanos de carteirinha e os que são influenciados por líderes religiosos não comparecem aos locais de vacinação. E sem vacinação em massa o vírus e suas variantes resistem e driblam a eficácia das vacinas e o zelo de quem se vacinou.