O chamado de Brad Mehldau

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No mundo do jazz, existem alguns músicos inquietos, um tanto quanto cerebrais, que buscam inovações dentro e fora do gênero para expor sua arte, fugindo do que podemos chamar do “jazz mainstream”. Brad Mehldau é sem dúvida um deles. O pianista já transitou pelo jazz tradicional, emplacou ótimas parcerias com o saxofonista Joshua Redman e com a interprete soprano Renée Fleming, e mais recentemente redesenhou Bach em seu último disco, no ano passado. Não satisfeito, Mr. Melhdau resolveu beber da fonte bíblica para lançar na última semana seu novo disco “Finding Gabriel” (Nonesuch Records).

É um fato que a Bíblia inspirou diversas criações musicais, não somente no jazz. Neste caso, Mehldau disse ter usado Salmos, Eclesiastes, Oséias, Daniel e Jó como suas fontes de inspiração para criar as dez músicas do disco. O resultado foi uma trilha sonora que emana toda a fé que o pianista colocou na vocalização humana, como um chamado à comunhão em tempos difíceis.

Muitas das faixas nasceram do sintetizador analógico polifônico OB-6, instrumento nunca utilizado antes por ele. junto a pianos acústicos e Fender Rhodes, além de vários outros sintetizadores, incluindo um que imita um Theremin. Não bastasse toda essa fusão instrumental, o álbum ainda apresenta impactantes passagens corais de vozes de Becca Stevens, Kurt Elling e Gabriel Kahane, cantores a quem Mehldau faz questão de expor sua enorme admiração. Eles estão mais relacionados a música clássica do que ao jazz (a exceção de Elling). O disco ainda conta com participações de craques como o trompetista Ambrose Akinmusire (que já foi entrevistado pela coluna ano passado), além do saxofonista Joel Frahm, a violinista Sara Caswell, o baterista Mark Giuliana, entre outros.

Até mesmo Mehldau arrisca-se com seu próprio canto, na faixa “The Garden”, que abre o disco. Tal faixa mostra toda a complexidade e intensidade do álbum, alternando momentos calmos, com os áudios de Becca e Gabriel, até uma virada enérgica com Mark e Ambrose inseridos de maneira triunfal. “Born to Trouble” traz uma introdução deliciosa, homenageando o clássico Pat Metheny Group. Em algumas faixas, como "O Ephraim", o pianista trabalha sozinho, como uma banda de um homem só. Gostei bastante das faixas "Deep Water" e "St. Mark é Howling in the City", que apresentam Sara Caswell em ótima e virtuosa atuação. "Make It All Go Away", minha favorita, traz novamente as fusões com uma abertura de expiração, seguida da introdução de Mehldau. Os áudios de Becca e Elling também são extremamente envolventes, com características completamente diferentes.

“Finding Gabriel” reforça as características de Brad Mehldau, um pianista que, do alto de seus 48 anos, sempre mostrou a consistência de seus trabalhos, sem fugir do desafio de criar e trazer novos sons para o gênero. Um chamado interessante, que vale para todos nós.

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