Casa dos Criadores: a invenção made in Brasil

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Por IESA RODRIGUES

Iesa Rodrigues

Atualmente as semanas de desfiles e apresentações online ocorrem no hemisfério norte, nas cidades ditas lançadoras. Até pouco tempo, estes eventos que reuniam profissionais especializados de imprensa e compradores internacionais eram considerados válidos para voar até Nova York, Londres, Milão e Paris. Este quarteto está ampliado, obrigando a planejar viagens para ver os jeans da Dinamarca e a vanguarda de Hong Kong.

Quer dizer: não faltam propostas e referências para vestir até meados do ano que vem, já que as atuais semanas mostram coleções para o verão de 2022 no hemisfério norte.

Acontece que vivemos neste Brasil e é preciso contar o que acontece por aqui. Principalmente quando se trata de iniciativas heróicas como a Casa dos Criadores, organizada por André Hidalgo, em São Paulo. Na edição 48, vista em julho, entre os apoiadores figuraram a Santista e a Vicunha, empresas especializadas em jeans. Nem pensem em tediosos modelos em índigo com aplicações - merecendo o nome de criadores, os designers transformaram o jeans em opções quase irreconhecíveis.

Caminhos diversos
O compromisso da Casa dos Criadores é mostrar a moda autoral, inovadora e rebelde. Como a obrigação secundária de vender muito, o espaço para inventar conceitos traz roupas surpreendentes. Nem sempre lindas, mas cheias de mensagens, como a proteção, o colorido anti-colisão, os detalhes artesanais, os sentimentos derivados da pandemia e as lembranças dos anos 1980. Vejam alguns exemplos destas propostas que contaram com o apoio da Santista e da Vicunha:

 

 

Na coleção Tubulação são abordados os sentimentos de angústia e medo devido à pandemia (foto divulgação Casa dos Criadores)

Diego Fávaro assinou a coleção Tubulação, traduzindo as sensações derivadas da pandemia e do isolamento em peças confortáveis e práticas, inspiradas no sportswear com detalhes matelassados, faixas e modelagem oversized em calças. Além das sarjas Diego trabalhou com veludo cristal

 

 

 

Gui Amorim, do Estudio Traça, lembrou do reggae, estilo musical dos anos 1980. Em jeans pesado com sobretingimentos em rosa e cinzas ou marmorizados, Gui exibiu hotpants, regatas e lingeries aparentes. Destaque também para os macacões cheios de fechos, as pantalonas pregueadas e os babados nas saias e as mangas largas nas jaquetas. Exageros daquela década.

 

 

Na coleção Das, o baiano Gefferson Vila Nova lembrou dos macacões dos profissionais que atuam na linha de frente do combate ao coronavírus. O resultado foi um estilo sem gênero, com alfaiataria moderna e um toque de sportswear. É uma edição limitada, com processos de reciclagem e reutilização (upcycling e recycling), com tecidos garimpados. Vale correr para comprar algo desta coleção, além de sustentável, tem peças ótimas.


 

Upcycling e transmutação têxtil fizeram parte desta coleção do Ateliê Criativa Vou Assim que contou com a mentoria de artistas como Bioncinha do Brasil, Alecrim Rosemary, Vicenta Perrota e Phel. Foram seis blocos, em produção com pessoas LGBTTTQIA+ periférica. Este alfabeto contemporâneo deu margem a retalhos que viram tops, calças se transformam em jaquetas, recortes vazados e estampas feitas à mão, dignas do coletivo de artistas.


 

Estreante na Casa dos Criadores, a baiana Denise Salles, da grife Oroomin, trouxe Ecdise, linha lembrando fragmentos de animais que se renovam, descartando o exoesqueleto. Peças casulo em organzas mergulhadas em água fervendo por horas, depois colocadas no congelador, para adquirirem novas texturas, denim com pinturas feitas à mão em tons de azul, pink e preto. Modelagens amplas com aberturas frontais, reafirmando a lembrança dos casulos e exoesqueletos.


 

Um dos destaques da Casa dos Criadores é a formação do PIM (periferia Inventando Moda), que reuniu cinco marcas: Brand (Alex Santos), Riddim (Monica Barboza), Couto Store (Mateus Couto), Volat (Leticia Cortez) e Dellum (Brunno Dellum). O projeto reúne jovens periféricos (LGBTQ+, negres, indigenes e pessoas com deficiência)

 

 

Imaginem roupas XXXL mas com modelagens minimalistas. O Leandro trabalha com tiragens únicas e sob medida, apesar de parecer que as peças cabem em todo mundo. Esta coleção Luz reflete as vivências da luz, essencial para a vida, além de luzes menores que trazem esperança, amizade e o sonho, que iluminam o escuro. Camisaria, maxi casacos, pantalonas e jaquetas cumprem o conceito arquitetônico assinado pelo Leandro Castro


 

Diferentes tons de pele aparecem nas propostas não só de roupas como de modelos que vestiram os looks da marca Dendezeiro. Peles negras, indígenas, especificidades como sardas, vitiligo, estrias, pessoas albinas estão nas roupas e no elenco do vídeo. A segunda marca, a Dendezeiro Tropical traz o Street Swim, fusão do streetwear e do beachwear. É o nado das ruas, novidade desta Casa dos Criadores.


 

O denim, as sarjas e os tecidos com aspecto couro são pequenas obras de arte, compatíveis com as necessidades do agora e do futuro, segundo os integrantes da marca. Recortes vazados aparecem em formas ajustadas ou amplas.

 

 

 

Do que se trata
Alguns termos da moda que podem ser misteriosos:

Matelassados: roupas e acessórios com pespontos marcando formas em geral quadriculadas. Como a bolsa 2.55 da Chanel (que tem este número porque foi criada em fevereiro de 1955);

Oversized: roupas em tamanho maior do que o normal;

Sobretingimentos: tingir um tecido como o jeans com outra camada de cor;

Hotpants: shorts com modelagem de calcinha grande. Sucesso nos anos 1970, graças aos modelos da Biba, butique londrina da época;

Sportswear: estilo derivado ou apropriado para o esporte;

Transmutação têxtil: transformar um tecido, por processos que mudam a textura original;

Negres e indígenes: palavras que designam tanto masculinos como femininos, ou outras definições de origem;

Street Swim: a novidade da temporada, a roupa de praia e piscina usada nas ruas. Ainda não havia a expressão para este conceito, que já é bastante usado no Brasil.