Hoje, a estrela é a Estação Primeira, a Mangueira

Por Hildegard Angel

No Barracão da Mangueira, emocionada com o trabalho precioso do carnavalesco Leandro Vieira, aqui comigo. E tudo já está pronto!

Vem de longe minha ligação com a Mangueira. Em 1984, Braguinha era homenageado na Mangueira com o enredo "Yes, nós temos Braguinha". E eu resolvi homenagear Braguinha e a escola, antes de seu desfile, com uma festa-coquetel. Foi no Hotel Caesar Park, um pré-Baile Borbulhantes, que eu fazia na mesma noite com Ricardo Amaral, no Hippopotamus. Depois da homenagem no Caesar Park, nós viemos todos, lá da Praia de Ipanema, sambando pela rua Maria Quitéria, até chegar ao Hippo, na Barão da Torre. Eram os passistas, a bateria e nós. Quando chegamos ao nightclub do Amaral, fomos barrados, porque o porteiro não queria deixar entrar os componentes negros. Rodei minha baiana verde Mangueira (by Lucília Lopes), e os negros entraram, todos os passistas e os músicos. Afinal, a festa era minha! E foi a primeira vez que isso aconteceu no Hippo, para sempre acontecer. E foi a primeira vez que se animou um baile privado de carnaval com uma bateria de escola de samba. Passado o carnaval, a Mangueira me mandou uma linda placa de agradecimento. E isso é História do Carnaval Carioca.

Agora, passados 35 anos, cá estou eu de novo com a Mangueira. Emocionada e elétrica, depois de ter visitado seu Barracão, na Cidade do Samba, onde fui a convite do carnavalesco Leandro Vieira. Que lindeza de carros alegóricos! Quanta Emoção! Pena que seja proibido fotografar. Mas vocês podem morrer de curiosidade, porque Leandro se supera. Lá está o monumento dos Bandeirantes, dourado e grafitado, de onde saem duas cabeças de hidra vermelhas, ameaçadoras, e, no seu entorno, o massacre dos indígenas...

Trata-se de um enredo "iconoclasta", que questiona a História do Brasil da forma como é contada. Na qual heróis são vilões e vilões são heróis. E lá vem o carro afro, com suas palhas, seus tachos de latão e grandes esculturas de mitos africanos, alusivo ao período da escravatura, quando heróis de fato foram os negros insurgentes contra a escravidão, como o chamado "Dragão do Mar", barqueiro do Recife. Na Mangueira de 2019, herói foi quem lutou e deu a vida pela causa, e não quem assinou lei no papel.

Ah, tem os Heróis de 68, que não sobreviveram para contar essa História, mas deixaram seus descendentes pra fazer a denúncia... Enfim, como diz o samba da Mangueira, "os heróis que não estão no retrato". E eu, como familiar de vítimas daquele período, estarei nesse carro, emocionada de receber convite tão honroso e emocionante, posicionada sobre uma pilha de livros da História do Brasil.

Sai de lá, pensando... Depois do carnaval, esses carros alegóricos da Mangueira deveriam ficar em exposição num espaço nobre, tipo o Museu de Arte Moderna. Eles são pura arte e inspiração, e representam técnica única, criada e desenvolvida no Brasil e por artistas brasileiros. A arte do carnaval é coisa nossa.