Os filhos do Capitão
Em roda de amigos - com o devido distanciamento e uso de máscaras - veio à baila as trapalhadas dos filhos 01, 02 e 03 do presidente Jair Bolsonaro com investigações conduzidas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, caso do 01, o hoje senador Flávio Nantes Bolsonaro (Republicanos-RJ) quando era deputado estadual no RJ (eleito em 2003 pelo PP, passou para o PSC em 2016), e do 02, o vereador Carlos Nantes Bolsonaro (Republicanos–RJ), também alvo, como o 03, deputado federal e escrivão da Polícia Federal Eduardo Nantes Bolsonaro (PSL-SP), de investigações da PF, a mando do MPF e do Supremo Tribunal Federal nos casos das ‘fake news”, no apoio a grupos radicais e aos atos antidemocráticos contra o STF e o Congresso.
Um amigo quis logo compará-los aos “Irmãos Metralha”, criação de Walt Disney, aqueles que já dormem sonhando em roubar a fortuna do “Tio Patinhas”. Ponderei, que, apesar de serem um trio, como os Metralhas - numa revistinha que vi com um sobrinho no século passado tinham em suas camisas de presidiários anotados cada item que infringiram no Código Penal, mas que, no dia a dia das “aventuras”, andam com camisas normais identificados como 176-761; 176-671; e 176-617 – suas aprontações não se assemelham.
Os três filhos do ex-casal Jair Messias Bolsonaro e Rogéria Nantes Bolsonaro, nascidos respectivamente em 1981, 1982 e 1984, quando o pai ainda era um capitão do Exército, podiam mais ser comparados nas peraltices com os “Sobrinhos do Capitão”. Para os mais novos que não a conheceram, essa tirinha criada, em 1847, por Rudolph Dirks e que foi publicada em O Globo até o final do século passado, retratava as aventuras de dois moleques – o louro Frits e o moreno cabelo escovinha Hans - que vivem numa colônia alemã em uma ilha tropical. Só fazem travessuras, que têm como alvos principais a Mama (ou Mama Chucrutz, como ficou conhecida no Brasil), o Capitão (que vive na pensão da Mama) e o Coronel, um inspetor escolar da ilha - amigo do Capitão.
Como Jair Bolsonaro foi eleito deputado federal em 1990 e se separou de Rogéria em 1997, depois de 9 anos, para se casar com Ana Cristina Valle, mãe de Jair Renan, (com quem viveu de 1997 a 2007), ano em que passou a viver com a atual primeira-dama Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro, mãe das meninas Laura Bolsonaro e Letícia Aguiar (de enlace anterior), não teve muito tempo para interferir na educação dos filhos mais velhos.
É nestas circunstâncias que o deputado federal pelo PP transferiu para seu filho 01, eleito em 2003 para a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) os serviços de seu amigo, o ex-paraquedista e ex-Tenente da PM-RJ, Fabrício Queiroz para atuar como lugar-tenente em seu gabinete. De origem humilde, os Bolsonaros nunca foram próximos a grandes empresários.
E assim como os políticos do PT faziam questão de dizer que não estavam envolvidos em corrupção de obras públicas (porque, à exceção de Ribeirão Preto-SP, com o prefeito Antônio Palocci, e Santo André-SP, com o perfeito assassinado, Celso Daniel), não tinham chegado a comandar cofres do Erário, os Bolsonaro aproveitaram que algumas das principais figuras do PT (e de partidos aliados) foram apanhados nos escândalos do petrolão e da Lava-Jato para fazer o marketing da anti-corrupção, que era liderado por Sérgio Moro.
Os fatos em apuração nas investigações em curso – e que Jair Bolsonaro queria abafar, interferindo na PF, quando o Ministério da Justiça e Segurança Pública era dirigido por Moro (até 23 de abril), na PGR e utilizando a Advocacia Geral da União para a defesa de interesses mais familiares do que da República Federativa do Brasil ou do seu presidente – mostram que os Bolsonaro repetem o que fazem boa parte dos nossos políticos – tentam aproveitar a vida pública para reforçar o caixa de seus negócios privados. Quem busca comparações com Lula não está de todo errado. Quando Vacari, tesoureiro do PT foi preso, Lula deixou a loquacidade de lado. Assim, como Bolsonaro, após a prisão de Queiroz...
A escala e o “modus operandi” são mais modestos. Não há registro de propinas de grandes empreiteiras ou empresários. Muito menos de tráfico de influência, papel a que se prestam muitos políticos que se elegiam para a Câmara dos Deputados (a cada 4 anos) ou o Senado (a cada oito anos de mandato) para defender, preferencialmente, os interesses das empresas que deram contribuições para suas campanhas. Pai e filhos sempre elogiaram militares, milicianos e pastores evangélicos, que se tornaram suas fiéis bases eleitorais.
As restrições posteriores à Lava-Jato às contribuições empresariais mudaram o eixo das campanhas e é neste vácuo que surgem as “fake news” e os robôs e disparos automáticos de mensagens que tiveram enorme influência na campanha de 2018 (ajudado pela “fadiga de material” do PT junto ao eleitorado), e só agora começam a ser identificados nas investigações centralizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Os casos do hoje senador Flávio Bolsonaro, quando era deputado estadual na Alerj classificado como “rachadinha”, a contratação de assessores para o gabinete, com altos salários e posterior devolução mensal de boa parte das quantias, sob a gestão de Fabrício Queiroz, não chegam a ser novidade.
A prática é corrente de câmaras de vereadores a assembleias estaduais e se propaga até pelo Congresso Nacional. Nomeia-se a cota de assessores (aos quais nem sempre é cobrada assiduidade e desde o começo parte do dinheiro é devolvida ao gabinete). Isso configura crime de Peculato – Artigo 312 do Código de Processo Penal, que nada mais é do que o desvio de dinheiro público. O desvio para fins do próprio político, se provado, pode gerar outro crime, o de Estelionato – Artigo 171.
Familiares e amigos de Jair Bolsonaro eram lotados em seu gabinete ou nos dos dois filhos. Flávio, que é policial federal, foi eleito para a Alerj em 2003 e Carlos foi eleito vereador do município do Rio de Janeiro em 2001, com 17 anos e já está na 5ª legislatura. Filha de Fabrício, que trabalhava com Flávio Bolsonaro na Alerj, a “personal trainer” Natália Queiroz era lotada no gabinete de Jair Bolsonaro em Brasília, mas lá não comparecia. Quem perguntou o que ela fazia em seu gabinete, foi o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, no único debate a que Jair Bolsonaro compareceu, “já que cuidava de uma de suas casas em Angra dos Reis-RJ”. Bolsonaro desconversou. Mas no dia seguinte foi demitida do gabinete, simultaneamente com a dispensa de Queiroz por Flávio. No fim de semana seguinte veio a facada em Juiz de Fora-MG) que tirou Jair dos futuros debates. O MPF-RJ apurou que Natália transferiu R$ 86.429,35 para a conta do pai; e Marcia Oliveira de Aguiar, esposa de Queiroz, fez repasses em dinheiro no valor de R$ 18.864,00 ao marido.
Deputados quando querem disfarçar o nepotismo – o emprego de familiares em seus gabinetes – trocam com colegas (cada um assume parentes do outro em seu gabinete). No caso do vereador Carlos Nantes Bolsonaro quem integra seu gabinete é a ex-madrasta, Ana Cristina Valle, que conheceu o pai quando era assessora parlamentar em Brasília. Outros parentes foram lotados.
O folclore político em matéria de nepotismo é rico em casos anedóticos. Certo prefeito de um estado nordestino ao ser apanhado por empregar a mulher e uma das famílias no gabinete saiu-se com essa, tal e qual um “Justo Veríssimo”: “Se o cargo é para funcionário de confiança, em quem eu posso ter mais confiança do que em minha mãe, minha mulher ou minha filha?”.
Quando forem ouvidos, o 01, o 02 e o 03 (este, até aqui sem suspeita de desvio de verba de gabinete, pois só foi eleito em 2014) terão que ser bem criativos para provar que não há conexão entre o desvio de verbas no gabinete e a progressão do patrimônio imobiliário. Flávio Bolsonaro é sócio de franquias da Kopenhagen. Segundo a marca, o retorno do capital se dá em média em três anos.
Mas o patrimônio imobiliário de Flávio, que atribui em boa parte à lucratividade da franquia, chega a duas dezenas de imóveis. Ele entrou na vida política em 2002, com só um carro Gol 1.0, declarado por R$ 25,5 mil. Na última declaração de bens, de 2018, o senador disse ter R$ 1,74 milhão.
Queiroz, preso há duas semanas, tem muito o que explicar sobre a origem do capital que o fez ser dono de uma frota de vans que atua na região da Comunidade de Rio das Pedras em Jacarepaguá e de participar, como laranja, de empreendimentos imobiliários construídos pela milícia na mesma região.
