Vai-se a BR e o "Posto Ipiranga"?

Por Gilberto Menezes Côrtes

O famoso soneto, “As Pombas”, do poeta parnasiano Raimundo Correia, serve para descrever a atual cena brasileira, que ainda pode mudar com o desfecho das passeatas convocadas para a manhã de hoje. Raimundo Correia dizia:

“Vai-se a primeira pomba despertada..

Vai-se outra mais...mais outra...enfim dezenas

Das pombas vão-se dos pombais, apenas

Raia sanguínea e fresca a madrugada.”

Talvez a comparação não caiba. Não tanto pelas sucessivas mudanças de alvo e motivação. Mas vale conferir para onde as pombas (ou mais apropriadamente os falcões e gaviões) vão voar.

As manifestações começaram como um ato pró Jair Bolsonaro e contra o Congresso e o STF. Depois que o próprio presidente da República declinou da presença, junto com seus ministros, agora miram os deputados e senadores do “Centrão”, no Congresso. É inevitável examinar as razões do recuo da presença do presidente e de seus ministros no ato.

Para os observadores não engajados no bolsonarismo e que desejam que o país se aprume e siga adiante, parecia despropositada a presença do chefe do governo e seus ministros num ato para apoiar o governo. Se ainda fosse na campanha... Mas Jair Messias Bolsonaro deixou de ser “a oposição a isso que está aí” há quase 150 dias, táoquei?... Ele é o governo e tem de sair do palanque. E governar implica liderar a articulação política e a opinião pública para aprovar as principais metas da administração, como a reforma da Previdência. Fazer selfies não adianta. Ou pior, a distração e a falta de empenho dos deputados do partido oficial, o PSL, custaram derrotas em votações importantes...

Há duas versões plausíveis para o recuo, deixando “a voz rouca das ruas” se manifestar livremente. A primeira é histórica. Quem não lembra do presidente Fernando Collor de Mello convocando o povo se vestir de verde-amarelo num domingo? A massa que o elegera não foi às ruas. O preto do luto foi a cor dominante nas janelas das casas e apartamentos e nos trajes dos manifestantes... O tempo decorrido era bem maior e o ressentimento contra o confisco da poupança e ativos financeiros imensos; o movimento do impeachment ganhou impulso.

A segunda foi colocada em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” pelo arguto político e economista Cesar Maia, ex-prefeito e atual vereador no Rio de Janeiro, por acaso pai do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, principal fiador da reforma da Previdência no Congresso.

Aqui um parênteses: mesmo tendo uma suposta vitória, a permanência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) no ministério da Economia [pela rejeição dos deputados, como partes interessadas, em não ficar sob o jugo do ministro da Justiça e Segurança Pública, que se especializou em rastrear movimentações financeiras ao longo da Operação Lava Jato] o ministro Paulo Guedes deu uma de Jânio Quadros e ameaçou sair do governo caso a reforma da Previdência perca a potência fiscal que estabeleceu em um mínimo de R$ 1 trilhão em 10 anos (2020 a 2029). Nota-se que Bolsonaro já baixou o “sarrafo” para R$ 800 bilhões.

A sucessão de 2020 já nas ruas?

Vamos primeiro à interpretação de Cesar Maia. Para o ele a derrota de Moro no Coaf e a recente declaração de Bolsonaro de que tinha compromisso de nomeá-lo para a primeira vaga do Supremo Tribunal Federal em 2020 (quando o decano Celso de Mello, nomeado por José Sarney, atingir os 75 anos e passar obrigatoriamente para a aposentadoria) foi um lance de xadrez de Jair Bolsonaro para desgastar o cacife de Sérgio Moro como candidato às eleições em 2022.

Fora dos holofotes (a exposição no STF é bem menor), Moro deixaria de ser o principal adversário à reeleição do próprio Jair Messias Bolsonaro. Mas o diagnóstico de Cesar Maia tem outro sujeito oculto. Seu filho, o presidente da Câmara é também candidato a candidato a presidente da República em 2022. Sua atuação na Câmara durante a tramitação da Reforma da Previdência e de outros temas cruciais podem fortalecê-lo como representante das correntes de Centro na vida brasileira.

Daí se explicaria o “Centrão” no Congresso ter virado um dos alvos das manifestações de hoje. Os eleitores do Centro (que não queriam o PT) não são necessariamente os eleitores dos deputados e senadores do “Centrão”. A eleição presidencial era um outro pleito. O “centro” é um espaço político, que pode tender para a centro-esquerda (papel que o PSDB tentou exercer) quanto à centro-direita. O “Centrão” é o fisiologismo. O pior da política, sem matiz ideológico definido. O oportunismo fala mais alto. João Dória (PSDB) quer disputar com Rodrigo Maia (DEM) o Centro. Moro seria a centro-direita.

Seria muito cedo para um governo que mal começou (e muitos acham que teve um mau começo pelos indicadores não muito favoráveis da economia) já tratar da sucessão e da reeleição. Política é assim mesmo. As ambições não têm limites.

A renúncia de Paulo Guedes

Voltemos à ameaça de renúncia de Paulo Guedes. O conheço há quatro décadas. Sempre teve obsessão pelo “ajuste fiscal”. Já o defendia na década de 80, quando o Brasil vivia a crise da dívida externa e ele era o principal economista do Ibmec, então mantido pela BVRJ e outras entidades financeiras.

Sua obsessão e sua competência (as muitas ressalvas que já fiz às suas atividades não a anulam) levaram muitos empresários e investidores e os eleitores do centro a “comprar” a candidatura Bolsonaro confiando no “Posto Ipiranga”. Sempre achei que sua missão era fazer um big ajuste fiscal. Ficaria bem para sua biografia. Ajuste meia-bomba não lhe contenta (nem serve ao país).

Investidores que compraram o “Posto Ipiranga” estão aflitos. O Ibovespa chegou a arranhar os 100 mil pontos em março e fechou sexta-feira a 93.627 pontos (queda de 6,33%). Mas, quando Guedes aderiu à campanha, saltou dos 75 mil para a faixa dos 85 mil pontos (houve a interrupção da greve dos caminhoneiros) e a tendência segue de alta. Vale lembrar que em janeiro de 2016, antes do start do impeachment de Dilma, estava em 38 mil pontos.

O sucesso de um investimento é a mistura de fundamentos com confiança. Os fundamentos são ruins, mas podem melhorar com uma reforma musculosa da Previdência. Mas isso depende da confiança. O governo abriu mão de boa parte da BR Distribuidora. Dá para apostar que o “Posto Ipiranga” seguirá operando?