Quem vai para o banco dos réus?

Por WILSON CID

Ao ler, na segunda-feira, o editorial do JB deplorando a tragédia de Brumadinho, refletimos, eu e por certo muitos outros, sobre esse velho hábito de nossos legisladores em refugar experiências, no que elas têm de lição e de advertência, sem que desse defeito fiquem excluídos os casos em que está exposta e vulnerável a segurança das pessoas.

No caso do desastre mais recente, o exemplo funesto vem da Assembleia Legislativa de Minas, quando, em julho do ano passado, seus deputados acharam conveniente recusar um projeto que incorporava à legislação pertinente medidas mais rigorosas em relação às condições das barragens que comportam resíduos.

Não se tratava de uma ação preventiva inspirada em Brumadinho, mas em quase meia centena desses reservatórios mineiros, todos eles em condições de inadequada conservação e nenhuma ou raríssima fiscalização. Hoje, esses deputados, certamente com a consciência pesada, devem estar mergulhados no silêncio; pelo menos nem ousaram incursionar na ironia de uma sessão póstuma em homenagem às suas vítimas; aquelas mesmas, cujas vidas desmereceram atenção.

É gritante e ao mesmo tempo criminoso o descuido em relação à segurança das barragens; segurança que a Agência Nacional de Águas reconhece como uma de suas tarefas (pelo menos no papel). Não se promovem ações fiscalizadoras com a necessária frequência.

Um trabalho absolutamente indispensável, quando se sabe que as mineradoras ocupam-se de garantir lucros para acionistas e investidores; e se é essa a preocupação, os investimentos em relação a cuidados tornam-se secundários, omissão que se facilita com a despreocupação que, anos seguidos, tem sido tolerada pelos governos estadual e federal.

Imagina-se que as gentilezas das leis e da administração pública em relação às exploradoras chegou ao ponto de se discutir a possibilidade de a elas se confiar o direito de utilizar os rejeitos para a própria estrutura da barragem... Isto sim, devia ser coisa rejeitável, em nome da razoabilidade e da responsabilidade dos governos.

O inexplicável

Ainda não haviam decorrido 72 horas após a ocorrência em Minas, noticiou um telejornal que o governo estuda adotar medidas mais rigorosas para endurecer a fiscalização sobre as empresas que gerenciam essas barragens. Como explicar isso? Em tão pouco tempo, um governo ainda em fase de inauguração, as verdadeiras dimensões da tragédia não totalmente apuradas, e o palácio já estudaria fazer, com pressa, o que, com vagar, até hoje não foi feito?

A informação só pode ser obra de subserviência, se o Executivo nem conhece o assunto na sua verdadeira extensão. O que se admite, quando muito, é seu desejo de que fatos tão dolorosos não se repitam.

É preciso que tais medidas, hoje objeto de vagas intenções, não venham para engordar nossa tradicional tendência legiferante, que a nada leva. Na verdade, nem é recomendável buscar inovações. Basta reler as instruções de 2010 da ANA, que definem responsabilidades na fiscalização e proteção dos rios sob domínio da União, como também cuidam da coordenação dos órgãos públicos que podem se associar nessa missão.

Se bem cumpridos, se saírem dos arquivos para cair na prática, os dispositivos existentes são bastantes. Sem tentar inovar e sem demoras, pois tudo que é preciso fazer já foi escrito, lido e suficientemente discutido. Nada mais precisa ser inventado, mas escapar do que já ensinava o professor mineiro Antônio Carlos Dutra: no serviço público há sempre uma tendência a reinventar a roda...

Afora isso, o que o governo tem que fazer é apontar o dedo a quem deve ir para o banco dos réus.