O cheque em branco

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A equipe de transição do presidente eleito Jair Bolsonaro está fazendo agora o que não foi feito na campanha: um plano de governo, com ações setoriais mais definidas, ainda que não possam ser muito detalhadas agora. Em outras eleições, o que se faz na transição é o ajuste entre a agenda aprovada pelas urnas e a realidade apresentada pelo governo que está de saída. O cheque em branco agora está sendo preenchido, com medidas que os eleitores de Bolsonaro, ainda contentes, só sentirão no ano que vem. Já apoiadores que representam o poder econômico estão chiando baixinho.

O Conselho de Transição de Bolsonaro, presidido pelo futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, é composto por dez grupos temáticos: Desenvolvimento Regional; Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações; Modernização do Estado; Economia e Comércio Exterior; Educação, Cultura e Esportes; Justiça, Segurança e Combate à Corrupção; Defesa; Infraestrutura; Produção Sustentável, Agricultura e Meio Ambiente; e Saúde e Assistência Social. Os grupos devem produzir semanalmente propostas de políticas públicas que, se aprovadas pelo conselho, serão submetidas a Bolsonaro. Fora Paulo Guedes, todos os ministros já escolhidos, inclusive Moro, admitem estar partindo do marco zero.

Estes últimos, que representam o mercado e o PIB, contentaram-se com o anúncio de Guedes como futuro ministro da Fazenda e com sinais de que Bolsonaro trocará o nacional-estatismo pelo ideário neoliberal. Não exigiram compromissos específicos. Agora choram as pitangas em silêncio: os industriais, pelo fim do MDIC, os exportadores, pelas trapalhadas diplomáticas, e o agronegócio, que pode perder mercado se ficar evidente que a pasta de Meio Ambiente, mesmo tendo existência própria, será apenas um apêndice do Ministério da Agricultura.

Se foi crime...

O ex-presidente Lula é réu em ação, ainda não julgada, em que é acusado de ter “vendido” uma medida provisória, a 471/2010, prorrogando incentivos fiscais para fábricas de automóveis instaladas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Na quinta-feira, o Senado aprovou a MP assinada por Michel Temer, que prorroga, mais uma vez, o benefício instituído em 1999 por FHC. E com isso, fica a pergunta: Temer e os que votaram a favor da matéria agora são também suspeitos de favorecer montadoras?

O incentivo inicial foi articulado pelo falecido senador Antônio Carlos Magalhães para garantir a instalação de uma fábrica da Ford na Bahia. FHC instituiu, Lula prorrogou e agora Temer prorrogou novamente a medida, sempre aprovada por consenso dos líderes no Congresso, em nome do desenvolvimento das regiões mais pobres.

Na denúncia, os procuradores Frederico Paiva e Hebert Mesquita acusam Lula, o ex-ministro Gilberto Carvalho e mais cinco pessoas de corrupção passiva. Não apresentam provas de que tenham recebido vantagens indevidas. Com base em trocas de e-mails, concluem que o lobista Mauro Marcondes ofereceu-lhes R$ 6 milhões em nome da CAOA e da Mitsubishi. Não comprovam pagamentos. O juiz Vallisney Oliveira, da 10ª. Vara Federal de Brasília, viu “plausibilidade” na denúncia.

E assim a vida segue. As montadoras continuam recebendo incentivos fiscais e Lula pode ser condenado a mais alguns anos de cadeia.

Fúria nova

A Lava Jato voltou com força, atacando o que ainda resta do esquema Sergio Cabral no Rio e um pilar importante da máquina de arrecadar dinheiro montado pelo PMDB, este no Ministério da Agricultura, no governo Dilma. Só de Joesley Batista/JBS o grupo teria recebido R$ 177 milhões, recursos que bancaram a eleição de Eduardo Cunha à presidência da Câmara e a derrubada de Dilma. Ainda não se tem a conta do total que teria sido embolsado, em várias frentes, pelo núcleo duro do PMDB, composto por Temer, Cunha, Geddel e outros. Mas agora, na campanha, o eleitorado espancou apenas o PT, aspirando fundo o antipetismo soprado pelas mensagens de wahtsapp bolsonaristas. Não germinou, por exemplo, um sentimento similar e justo, que seria o “antiemedebismo”.