Que eleição: Capitão Corrupção X Jair do Caixão

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Por Gilberto Menezes Côrtes

O presidente da República, na mais abjeta falta de compostura, imitou os casos de sufocamento com o prazer do deboche

Em tempo de isolamento forçado, à falta de vacinas pelas quais o governo Bolsonaro não se empenhou, tendo desdenhado da “vacina chinesa do Dória”, a “vachina do Butantan” - a grande responsável pela curva da vacinação (1ª e 2ª dose) ter atingido a 11,6 milhões de brasileiros, ainda sem encostar nos quase 12 milhões de infectados -, o cidadão não pode esperar muito do governo federal. Ainda temos 1,2 milhão em tratamento médico, milhões se tratando em casa ou perambulando e contagiando com a covid-19, sem saber, já que não há testes, nem capacidade de atendimento médico na rede SUS, nos hospitais privados e nas Santas Casas. Diante da lentidão da vacinação [a minha seria essa segunda-feira, 22 de março, mas foi adiada para 1º de abril, dá para acreditar, caro leitor?], cabe a cada um cuidar de si, da família e dos próximos para que a tragédia, que se aproxima dos 300 mil mortos (com mais de 15 mil nesta semana), não chegue aos 500 mil em maio ou junho, como já advertiu o médico e cientista de renome mundial Miguel Nicolelis.

Para quem pode ficar em casa é a atitude mais sensata até passar a onda, para evitar o caos na rede de saúde. Temos a família, livros, músicas e a companhia da tela de TV. O cardápio é amplo. Para além da diversão, com filmes e séries via “streaming”, temos informações das mais variadas, trocando de canais, Mas assim como encontramos notícias das mais absurdas, como a última do presidente Bolsonaro, de após insistir no “tratamento precoce” tripudiar em sua “live” da última 5ª feira, 18 de março, sobre os milhares de brasileiros que estão padecendo de falta de ar – o presidente da República, na mais abjeta falta de compostura, imitou os casos de sufocamento com o prazer do deboche, semelhante ao gozo dos algozes sobre os torturados –, há coisas sensatas e que nos trazem esperança.

Felizmente, na véspera desta encenação macabra, houve uma rápida, mas eficiente, participação do grande ator Antônio Fagundes no “Manhattan Connection”. Além de demonstrar erudição ao falar de escritoras e escritores que produziram obras sobre vampiros e o Conde Drácula, Fagundes apresentou uma bela proposta para nos tirar do impasse que pode ser a eleição de 2022, com um segundo turno desenhado por excesso de radicalismo, com Bolsonaro à ultradireita (se sua popularidade não continuar a derreter – e neste aspecto o perdão de R$ 1,4 bilhão a dívidas fiscais das igrejas evangélicas e pentecostais pode ajudar a cativar um eleitorado fiel e obediente aos pastores beneficiados) e, no lado esquerdo, a candidatura do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, do PT, livre das condenações da Vara Federal de Curitiba. Se os processos não forem retomados breve na Vara Federal de Brasília, o foro competente, segundo o ministro Edson Fachin, do STF, os casos podem prescrever e os direitos políticos de Lula seriam restabelecidos plenamente.

Incomodado com a possibilidade de um novo “nós contra eles”, que repetiria o enredo de 2018, quando os eleitores do 2º turno votaram “Sim” pelo “Não”, ou em outras palavras, boa parte dos eleitores de Jair Bolsonaro diziam “Não” ao PT, e outra fatia expressiva dos eleitores de Haddad diziam “Não” a Bolsonaro, Fagundes lançou uma bela ideia: a criação de um 2º turno com a participação dos três candidatos mais votados. Para haver isso, ou seja, a possibilidade de reflexão maior e a reavaliação das três propostas mais consistentes em exposição mais ampla de ideias nos debates eleitorais na TV e pelo país afora, seria preciso mudar a legislação eleitoral. Pode não haver tempo nem vontade política para tal decisão sensata. Mas é a única saída para o Brasil não atravessar mais quatro anos com um presidente que seja eleito com pouco mais de 35% dos votos do total de eleitores, e exerça o mandato com mais da metade da população contrária a seus atos e omissões. A tentação do “impeachment”, que Fagundes condena, seria imediata. Daí, o antídoto.

Na eleição de 1989, que opôs Fernando Collor, pelo PRN, contra Lula, do PT, no 2º turno, Leonel Brizola, do PDT, que ficou em 3º no 1º turno, com 454,4 mil votos a menos que Lula e votações pífias em Minas Gerais e São Paulo, diante da inviabilidade da vitória de um candidato de esquerda na primeira eleição direta, após a transição da ditadura militar no governo Tancredo/Sarney, defendeu a renúncia conjunta dele Brizola e de Lula em favor do 4º colocado, o candidato do PSDB, Mário Covas. Collor teve 30,47% dos votos, Lula, 17,18%, Brizola, 16,51% e Covas, 11,51%. Somadas as forças, o candidato Covas poderia atrair o centro e vencer Collor. Nada feito: vitória de Collor por 53,03% a 46,97% dos votos válidos no 2º turno. Anos mais tarde, Collor que renunciou em 1992, mal iniciado o processo de “impeachment”, e Lula, já na presidência, confessaram não estarem “preparados para a presidência em 1989”.

Jair Bolsonaro, do PSL, recebeu 57,797 milhões de votos (55,13% dos votos válidos) contra 44,87% de Fernando Haddad, do PT, num total de 104,8 milhões de votos válidos. Entretanto, como 31,3 milhões de eleitores (21,3%) não compareceram, o percentual de Bolsonaro ficou em 39% dos eleitores aptos. Muita gente fez como o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, Antônio Delfim Netto, que declarou ter votado no 17 “em legítima defesa contra o PT”. Mas essa semana, o economista de 92 anos, ainda com forte influência no empresariado brasileiro, se disse profundamente decepcionado com Jair Bolsonaro (que mostrou não ter competência para sentar na cadeira presidencial) e que pretende votar em Lula se ele for novamente candidato. Delfim acredita que o “mercado financeiro mude de opinião sobre Lula”.

Há dois governos Lula. O Lula1 manteve os compromissos da “Carta aos Brasileiros”, que construiu em junho de 2002 com ajuda do então presidente da Odebrecht, Emílio Odebrecht. Derrubou o dólar que subira a R$ 4 ante o temor geral de calotes e medidas radicais que não desceram do palanque. O Lula2 já mostrou guinada após o escândalo do “mensalão” e a descoberta do pré-sal (2006). Mas vieram os governos Dilma 1 e 2 (interrompido pelo “impeachment” em 16 de abril de 1026), aos quais Lula não dedicou uma linha em seu discurso de retorno à vida pública, em 10 de março no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, e muito menos nas entrevistas que tem dado a jornalistas do Brasil e do exterior. Uma das últimas, ao francês “Le Monde”, nada se perguntou, nem ele falou, sobre a gestão Dilma.

Bolsonaro já disse que não entendia de economia e para isso chamava seu “Posto Ipiranga”, o economista Paulo Guedes, com o qual seduziu “o mercado”. Já declarou não ser “coveiro”, quando o Brasil registrou 2.751 mortes em 20 de abril de 2020, pouco menos de uma semana após demitir o 1º ministro da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta e de tratar a Covid-19 como “gripezinha” e o isolamento social e o uso de máscaras como “coisas de maricas”. No dia em que o Brasil acumulou 287.499 mortes, fez a representação sem qualquer empatia sobre as vítimas, desenhou o campo eleitoral do ano que vem: disse que chamá-lo de “capitão cloroquina” não o ofende (genocida merece ação da Política Federal, AGU e delegados apoiadores na polícia civil pelo país afora).

E emendou: “Vocês vão ter o capitão corrupção, tudo indica, concorrendo em 2022, aquele velho barbudo, capitão corrupção”, em referência ao ex-presidente. Com 300 mil mortes acumuladas já no começo da próxima semana e sem poder gritar “é Tetra”, como fez Galvão Bueno em 1994, nos Estados Unidos, e sacramentar a posse do 4º ministro da Saúde - o médico cardiologista paraibano Marcelo Queiroga está tão enrolado como o Queiróz das rachadinhas, devendo horrores ao Fisco e ao INSS num dos hospitais de que era sócio em João Pessoa (PB), e pode vir a não tomar posse, como ocorreu com a competente Ludhimilla Hajjar, derrubada pelas redes sociais bolsonaristas. Corremos o risco de continuar com Bolsonaro comandando a Saúde (na base de “uma manda e o outro obedece”, como confessou o inoperante general Eduardo Pazuello).

Se não é coveiro e não governa o pandemônio da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro não terá como fugir ao epíteto de “Jair do Caixão”, quando o país passar das 300 mil vítimas oficiais pela Covid-19. Na língua inglesa seu apelido será mais suave: provavelmente “Coffin Jair”.
Pelo menos o cineasta José Mojica Marins, criador do personagem “Zé do Caixão” de seus toscos filmes de terror/terrir, era chamado carinhosamente de “Coffin Joe” pela crítica de cinema dos EUA. Infelizmente, nosso terror não é ficção. É realidade que pode se repetir em 2022. Ambos têm forte rejeição. Mas, por falta de opção, um ou outro podem se eleger. Diz a sabedoria popular que a virtude está no meio. O meio não é o “Centrão”, mas o bom senso. Que só precisa de uma chance, como dizia John Lennon em relação à Paz: “Give Peace a Chance”.