A família Bolsonaro acima de todos no país

Bolsonaro conseguiu esta semana completar a sua grande obra (expressa há 10 meses), que era proteger a família

Por Gilberto Menezes Côrtes

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Militar reformado precocemente em 1988, por indisciplina, ganhando a patente de capitão, com a qual fez carreira política junto ao eleitorado da caserna, que o elegeu vereador pelo Rio de Janeiro no mesmo ano e em 1990, já com apoios mais amplos, como de policiais militares, bombeiros e milicianos, iniciou longa carreira como deputado federal; eleito presidente, em 2018, Jair Messias Bolsonaro adotou o lema: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Agrada a seu eleitorado de origem e aos evangélicos que têm sido fiéis apoiadores.

Mas suas palavras e atos têm demonstrado que o espírito de autopreservação da família italiana dos Bolsonaro, que migrou para o Brasil no século XIX, se apresenta mais forte do que o slogan que adotou. E não é novidade para ninguém sua preocupação com os três filhos que estão na política e os demais parentes que conseguiu empregar em seus gabinetes ou em sinecuras públicas. Na reunião ministerial, de 22 de abril de 2020, que precedeu a saída do ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, no dia seguinte, em meio a um chorrilho de palavrões e impropriedades, o presidente da República disse textualmente: “eu não vou esperar foder a minha família toda” para trocar segurança, chefia da segurança ou ministro.

A covid-19 já tinha feito as primeiras mortes em fevereiro e a decretação da pandemia e do Estado de Calamidade Pública, aprovado pelo Congresso em 20 de março, que deu origem ao pagamento do Auxílio Emergencial de R$ 600, estava fazendo um mês. A mobilização inicial da sociedade por medidas de isolamento social, uso de máscaras e medidas profiláxicas, como lavagem constante das mãos com água e sabão e uso de álcool em gel, ajudou a frear a propagação do vírus que pegou o Brasil (como também os Estados Unidos e os principais países europeus) desprevenido de aparelhos respiratórios, macas e CTIs, e equipamentos de proteção individual para médicos e profissionais de saúde. Mas afetou a economia e ela foi posta em 1º lugar pelo presidente, que demitiu o médico Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde, em 16 de abril.

Na reunião, em vez de uma explanação do novo ministro, o também médico Nelson Teich, que ouviu boquiaberto os termos chulos empregados pelo presidente e outros ministros, e ficou estupefato quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, propôs que os colegas aproveitassem que as atenções da imprensa estavam focadas na Covid-19 para “passar de baciada a boiada e assim remover decretos e normas de restrições ambientais e em outras pastas”, o recado que ficou era de que o presidente da República estava preocupado com a segurança da família e manter a economia funcionando, sobretudo o comércio, e era claramente contra o isolamento. Tolhido, Teich, medindo as palavras, pouco falou de seu plano, embora insistisse que deviam ser ampliados os testes para se medir a evolução do vírus e da demanda por leitos e hospitais de campanha. Elementos para uma estratégia eficiente de combate. Bolsonaro cortou suas asas de pronto, nomeando como secretário-geral do Ministério da Saúde um general três estrelas, Eduardo Pazuello, alegando credenciais “em logística”. Teich voltou à iniciativa privada antes de completar um mês no cargo e o general ficou como ministro interino da Saúde. Só foi efetivado em 14 de setembro de 2020.

Ao longo do ano passado todos os ministros e secretários de saúde dos 17 estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal, e dos 5.570 municípios brasileiros lutaram contra dois inimigos imprevisíveis: o covid-19 que, como todo o vírus (inclusive o velho “influenza”, das gripes, que exigia, a cada ano, modificações nas vacinas para se ajustar a seu novo figurino) foi se transformando com o surgimento de novas variantes, ou cepas; e o comportamento errático e negacionista do presidente da República. Como principal autoridade do país, o presidente em vez de advertir para os perigos do vírus, repetiu Donald Trump e disse que ele era “uma gripezinha” e, ao contrário de conclamar a sociedade a ter comportamento responsável, evitando aglomerações sem uso de máscaras e assepsia das mãos, era o primeiro a circular abertamente sem máscaras pelo país afora, provocando insanas aglomerações que o inebriavam aos gritos de “mito”. E se posicionou frontalmente contra a vacinação – disse que não a tomaria para não virar “jacaré”, prestando um desserviço imenso à saúde pública no Brasil.

Já que seu ídolo Donald Trump foi derrotado fragorosamente (e não fraudulentamente, como chegou a sustentar na eleição americana) e substituído pelo Democrata Joe Biden, que mesmo com ritmo mais acelerado na vacinação, assiste à hecatombe de mais de 510 mil mortes pela Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro devia se mirar no exemplo de outro de seus ídolos, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Em campanha de reeleição, usa longo e instrutivo vídeo para conscientizar a população a aderir à vacinação em massa (e o país está em primeiro lugar neste quesito mundial, já estendendo a vacinação aos palestinos que vivem em território ocupado pelo Estado israelense) ele desmente mitos assemelhados à transformação em jacaré... Imagina se Bolsonaro, o machão que recusa máscaras, “coisas de maricas” e se diz “imbroxável”, vai fazer o que o bom senso e a empatia recomendam...

Seu ministro da Saúde deu sucessivas demonstrações de inépcia administrativa e de logística. Esteve em Manaus uma semana antes da inadmissível crise da falta de oxigênio, quando uma nova e mais ativa cepa causava mais vítimas, e mesmo alertado para a escassez de oxigênio, o que fez foi reforçar o “tratamento precoce”, o coquetel de cloroquina, azitromicina e vermífugo”, que pode ter algum efeito aos primeiros sintomas (desmentido pelas sociedades médicas, a Organização Mundial de Saúde e os próprios fabricantes), mas é incapaz quando o vírus ataca o pulmão e falta oxigenação natural aos pacientes. Para piorar, no desespero, para tentar remediar a imprevidência (que não é só dele mas de todo o governo Bolsonaro e que tisna a farda de militar, pois o general Eduardo Pazuello permanece na ativa), usou da logística para deslocar pacientes do Amazonas que não tinham como ser atendidos nos leitos lotados e sem oxigênio, de Manaus para cidades do Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Espalhou a cepa para vários municípios que tentam conter sua proliferação com contenção à circulação ou o lockdown total. Pois foi o que bastou para Bolsonaro ameaçar, no interior do Ceará, em represália a governador ou prefeito que tomarem medidas de isolamento, cortar o auxílio emergencial das populações locais.

A medida é abusiva e inconstitucional, e não pode ser aceita pela Câmara e pelo Senado (e muito menos pelo Supremo Tribunal Federal, para quem a questão seria judicializada em última instância) uma canetada do Executivo excluindo da devolução de impostos recolhidos por toda a população (ou déficits fiscais que serão assumidos direta ou indiretamente por todos) os moradores de regiões ou municípios que recorreram a medidas urgentes e responsáveis de emergência sanitária. O dinheiro que cai no cofre da União vem de todos os brasileiros, e a União, estados e municípios têm obrigação moral de devolver ao cidadão-contribuinte sob a forma de prestação de serviços, como vacinação ou atendimento médico pelo SUS, ou Auxílio Emergencial para quem está vulnerável e sem ocupação (não era o caso da mulher do deputado Daniel Silveira, do PSL-RJ, com qualificação duvidosa para dirigir o departamento de ciência do Jardim Botânico).

Bolsonaro conseguiu esta semana completar a sua grande obra (expressa há 10 meses), que era proteger a família. Uma forma transversa de praticar o nepotismo. A prática do nepotismo corria solta na Igreja católica, até os concílios de Latrão (no começo do século 12) proibir de vez o celibato dos papas e bispos, a nomeação dos sobrinhos dos papas (nepotes) ou apadrinhados, com o uso do aparelho da Igreja Católica em benefício dos familiares. O Superior Tribunal de Justiça, liderado pelo presidente João Otávio de Noronha – que se credencia para ser indicado para a vaga no STF aberta em 12 de junho próximo, com a aposentadoria do atual decano da Corte, ministro Marco Aurélio Mello, que atingirá os 75 anos - anulou as provas obtidas contra o então deputado estadual Flávio Bolsonaro (hoje senador pelo Republicanos-RJ) no inquérito sobre as “rachadinhas”, o desvio de salários de funcionários alocados em seu gabinete na Alerj, com o auxílio de Fabrício Queiroz. Sem essa preocupação e de olho nas eleições de 2022, Bolsonaro parece convencido que o “general Pesadelo” virou um fardo e quer se descartar dele. O problema é que os militares da ativa veem no descarte “desprestígio” às Forças Armadas. Como se “sua eficiência” fosse favorável. Não custa lembrar a inépcia do general ministro da Saúde, que na hora de reforçar o envio de vacinas para o Amazonas, a partir da capital Manaus, demonstrando que, além de falhas em logísticas, o chefe e seus comandados são ruins de geografia, também, enviou as doses para o distante Amapá (AP), cuja capital, Macapá, está distante 1.054 km de Manaus. A maior diferença é que, enquanto o Amazonas tem 4,2 milhões de habitantes e Manaus tem população de 2,2 milhões de moradores, vivem no Amapá 861 mil brasileiros.

O fato é que desenvolto, sentindo-se livre, leve e solto, o então calado e reservado senador Flávio Bolsonaro (ex-sócio de uma franquia de Chocolates Kopenhagen, já vendida após definhar com a queda de movimento no shopping da Barra, onde as vendas à vista, em dinheiro, eram o forte), voltou às redes sociais esta semana para reforçar o coro das críticas do pais às medidas de isolamento social para enfrentamento da covid-19, em meio ao pior momento da pandemia no país: "O isolamento não adianta de nada e já sabemos o resultado!", escreveu o filho 01, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), na sua conta oficial do Facebook. O filho 02, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi pela mesma tecla no Twitter: "Qualquer um que saia de casa, aglomere e não use máscara, sendo do lado de lá, está permitido, inclusive o discurso de acusar o outro daquele que faz com a maior cara lavada do mundo! A diferença é que as aglomerações são prudentes e sofisticadas e não para ouvir o povo!", disse. Já o filho 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), completou o discurso afinado, dizendo que o "lockdown só é eficaz para aglomerar". "Ainda não aprenderam com a redução de horário do comércio", tuitou.

Famílias são sempre um problema. Sobretudo as de origem italiana. Não me esqueço de uma hilária gravação, de 1974, feita no JB pelo colega Carlos Alberto Wanderley, com Ermelino Matarazzo, para uma edição da “Revista Econômica do JB”, que tinha como tema a discussão dos grandes conglomerados (discutia-se, então, a integração dos conglomerados industriais-comerciais com financeiros). Em resposta à indagação sobre o “segredo do Grupo Matarazzo (que já estava em decadência e cheio de conflitos familiares), Ermelino, que chegou a jogar de goleiro no Botafogo, rebateu de bate-pronto, misturando português e italiano: “São tutti buonna gente, tutti una famiglia, tutti