A virtude do segundo turno

Talvez, com alguns êxitos e os inevitáveis revezes, o balanço das urnas sirva mais para advertir do que premiar ou castigar as forças que se batem

Por WILSON CID

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Toda eleição tem o poder de carregar consigo uma carga de lições e advertências, seja ela realizada no âmbito de limites geográficos ou sob dimensões nacionais; ainda que não seja possível, numa primeira observação, saber se dela vão tirar real proveito os governantes ou seus opositores. Talvez, com alguns êxitos e os inevitáveis revezes, o balanço das urnas sirva mais para advertir do que premiar ou castigar as forças que se batem.

Mas consequências são inevitáveis, de uma forma ou de outra, a começa pelos desdobramentos que neste ano caem ao colo do presidente da República. Sem filiação partidária, ele entrou e saiu da campanha limitando-se a insinuar preferências, certamente desejando esperar para ver o que as urnas terão a dizer. De imediato, o deslanche que se evidencia é a necessidade de sua definição por uma legenda e alianças consistentes, sem as quais será custoso prosperar o projeto com que pretende chegar à reeleição, dentro de dois anos. Passo seguinte é que na procura desse abrigo aliancista terá de reorganizar politicamente o ministério, o poderoso paiol onde se armazenam armas e pólvora para acionar a campanha. Nem todos os atuais guardiões desse arsenal são de confiança para o jogo duro que está por vir. De alguns ministros terá de pedir gavetas limpas na hora em que se impõem lealdades consolidadas. A experiência e as consequências das votações, sobretudo a que virá no dia 29, haverão de confirmar tudo isso; e nem é preciso ser adivinho e ter bolas de cristal.

Sem partidos suficientemente nítidos, vazios em matéria de propostas programáticas, viu-se que o eleitor não teve maiores alternativas, preocupando-se em acolher a pessoa do candidato, sem prioridades claras quanto à bandeira das legendas. Nessa carência organizacional a exceção credita-se ao PT, que entrou nas disputas com alguma coisa mais consistente, embora confuso quanto aos próximos passos a dar. Viu-se, mais uma vez: essas organizações partidárias insistem em sua manifesta inapetência por programas claros e objetivos. Foi outra coisa que pendeu das votações mais recentes.

Retomando a paisagem política traçada no domingo, que repetiu coisas ensinadas no passado, vale considerar uma reflexão sobre o segundo turno, a realizar-se nos municípios com mais de 200 mil eleitores, e onde nenhum candidato tenha logrado maioria de votos. Com raras exceções, capitais e grandes centros voltam às urnas no dia 29, para, entre dois finalistas, conferir a necessária maioria a quem se confiará o destino das prefeituras. Para não se correr o risco de um importante centro político ser administrado por quem não obteve a preferência de maioria de votos. Um pleito com eleição minoritária pode ser prenúncio de dificuldades; tal qual como se deu muitas vezes, arrastando o país a perigosas crises. Não diferentemente o que se deu em 1955, quando Juscelino Kubitschek foi alçado à presidência da República com 35,68% dos votos.

Outra virtude desse tira-teima é não excluir do processo os eleitores que saíram frustrados com as candidaturas derrotadas no primeiro turno. Eles retomam seu poder de influenciar, participando da rodada decisiva. Reconheça-se, portanto, que vai nisso a universalização do direito que se reserva a todo cidadão de participar de uma eleição destinada a consagrar o mérito da maioria absoluta; maioria não atingível na rodada anterior.

A disputa em segundo turno, afora tentativas esporádicas, foi solução encontrada pelos portugueses para definir a campanha presidencial de 1976. Consagrou-se no Brasil com a Constituição de 1988, e dela nunca deverá sair, por mais que sofra retoques, ou promulgadas futuras Cartas, sejam elas analíticas ou sintéticas. Porque “o segundo turno arruma a casa, impõe uma bipolarização de alto a baixo. Evita a eleição de alguém carregado numa onda emocional, na crista da vaga de popularidade súbita, ou quem tem desempenho feliz num programa de televisão”, como comentou neste mesmo JB o imenso Villas-Boas Corrêa (1923-2016). A imprensa teve nele defensor obstinado da introdução do segundo turno na legislação brasileira. Conhecedor culto e sincero da caminhada da democracia brasileira, terá sido suficiente sua palavra para considerar necessária e justa a peleja da democracia representativa, ao chamar o grande eleitorado de volta à urna para tirar dúvidas remanescentes do primeiro turno.