Origem e fim da situação de crise

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Sebastião de Almeida Júnior, Jornal do Brasil

RIO - A cada semana, o fim da crise é anunciado. Por quê? Provavelmente porque a palavra crise remeta a algo desagradável, a uma sensação de instabilidade da qual muitos querem se livrar, pois representa maiores riscos de perda do que oportunidades de ganho. Esta (em grego krisis) identificava o ato de tomar decisão, atribuição que caracteriza principalmente as funções de empresários e executivos.

Já a origem da situação de crise se estrutura em torno de uma versão considerada válida para sustentar cadeias de suprimento, relações de troca e a gestão do capital. E o humano é pródigo na geração de versões, ou seja, nas variações sobre o mesmo tema, tanto numa determinada época como ao longo de toda a história. Cada versão se dedica a superar determinados problemas e conflitos, mas não consegue eliminar todos. Pior, em certos casos, insistindo na solução de alguns, provoca estragos diferentes ou maiores.

Algumas versões ficaram famosas. Uma ganhou o nome de Utopia e foi apresentada na forma de livro traduzido em inúmeras línguas, onde Thomas Morus (1478 - 1535) expunha suas ideias a respeito de uma sociedade perfeita. Esta admitia a existência da escravatura, mas nunca se consolidou enquanto experiência social. Outra se propôs a libertar as pessoas da fome e da capatazia. Seu formulador, Antonio Conselheiro (1830 - 1897) pregava: Juntos nós iremos para um lugar onde existem rios de leite e barrancas de cuscuz! e levou muitos a conviver na vila de Belo Monte, fundada em pleno sertão nordestino.

Por esta versão muitos lutaram e morreram. Conselheiro foi decapitado depois de morto, queriam estudar seu cérebro para conhecer a origem da proposta. As forças que atacaram Belo Monte foram enviadas pelo presidente Prudente de Moraes, já que os moradores de Canudos não reconheciam a república. Morus também perdeu a cabeça para Henrique VIII por não se corromper.

Outras versões continuam existindo. Mas todas se tornam obsoletas. Aqueles que as promovem, no entanto, não conseguem ver o presente ou preferem as lembranças do tempo em que suas preferências eram atendidas. Mesmo quando só conseguem privatizar lucro e sociabilizar prejuízos; permanecem em suas áreas de conforto, esperando para ver o que os outros farão. O modelo brasileiro de previdência social é um dos notórios exemplos disto.

Mas quais são as decisões requeridas pela situação atual? Uma das prioritárias se refere aos meios para financiar o crescimento econômico. Isto está a cargo dos chamados chefes de governo, sujeitos a pressões de todos os lados, inclusive daqueles que lembram que a base da vida (a natureza) merece cuidados. Outra remete à questão do bem-estar do Humano, nas diversas regiões da Terra. Em algumas delas, a degradação é tamanha que a recuperação demandará séculos.

Alguns empresários e executivos participam destas decisões. Outros, no entanto, só depois podem se posicionar. Mas, na medida em que as decisões são fruto de opiniões, de formulações humanas, não é aconselhável imaginar que um Shangrilá, Passárgada ou Paraíso será construído, transformando a perfeição em bem acessível a todos os mortais. Os milhares de anos de existência humana, recheados de problemas e conflitos, indicam ser aconselhável ter expectativas mais modestas.

Ao invés de buscar as fórmulas mágicas (ou seja, atalhos para o sucesso) convém investir na constituição de um repertório de competências voltadas para a análise de situações, levando em conta diferentes pontos de vista, reconhecimento dos limites e das oportunidades, planejamento e negociação de alternativas viáveis (sem desestruração do capital nem desprezo à natureza) para sustentar benefícios e custos compartilhados.

É claro que alguns espertos de plantão poderão ganhar com as crises ou simplesmente promover a ilusão de ganho. (Muitos deles, inclusive, preferem parecer a ser vencedores!) Mas os que investem nas competências sempre podem contar com estas como meio para promover a excelência de seus empreendimentos, ou seja, a aplicação consistente e consequente dos recursos disponíveis, sem promover o desespero. Ou seja, sem perder suas cabeças por conta de preferirem apostar a investir tempo e dinheiro.

Se as versões têm se sucedido desde o início da história até hoje, é de se supor que elas continuem se comportando assim enquanto houver algo como economia fazendo parte de nossas vidas. Da mesma forma, as crises continuarão acontecendo.

Com maior ou menor intensidade elas se sucederão, principalmente quando as cadeias de suprimento se estendem por toda a Terra, desconhecendo fronteiras e permitindo a um parque industrial instalado em um determinado país ser capaz de produzir e distribuir com em escala suficiente para levá-lo a competir com vários concorrentes, antes mesmo que estes possam elaborar estratégias para conter estes avanços.

Não se trata então de buscar conselhos dos iluminados para identificar a data do fim da crise. Trata-se de investir no desenvolvimento de competências e sensibilidade para reconhecer que uma versão já está em vias de se esgotar e construir alternativas voltadas à manutenção da saúde empresarial, das cadeias de suprimento e das pessoas, com o menor sacrifício possível.

Esperar que as soluções ocorram por milagre ou por passe de mágica é uma outra alternativa. Mas além da espera ser angustiante (neste caso), muitas vezes elas não ocorrem nem deixam margem para uma segunda chance. Melhor não arriscar.

*Sebastião de Almeida Júnior é consultor na área de Desenvolvimento Gerencial e Organizacional e professor convidado do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).