Crítica - ‘O Último Duelo’: honra e traição medieval com comentário atual

Cotação: quatro estrelas

Por TOM LEÃO

Jodie Comer faz a dama que diz ter sido estuprada, e provoca o duelo pela honra do nome de sua família, em 'O Último Duelo', de Ridley Scott

Um dos filmes mais aclamados de Akira Kurosawa, ‘Rashomon’ (1950), conta uma mesma história (a morte de um samurai e o estupro de sua mulher) sob pontos de vista diferentes: do morto, da mulher e do assassino. Foi a primeira vez que se fez isso no cinema. O novo filme de Ridley Scott, ‘O Último Duelo’ (‘The Last Duel’), utiliza o mesmo recurso (que ficou conhecido como ‘efeito rashomon’) para narrar uma trama que envolve estupro, honra e traição do ponto de vista da vítima, do marido desta e do estuprador.

Só que o que o japonês levava hora e meia para contar, o inglês leva cerca de duas horas meia. Mas Scott sabe construir a trama com calma, detalhes e se valendo dos talentos de Matt Damon (o marido), Adam Driver (o suposto estuprador) e Jodie Comer (a esposa violada). E, também, de um roteiro muito bem escrito. No fundo é uma trama de amizade traída, desejos reprimidos e, sobretudo, honra masculina.

O livro no qual o filme se baseou para seu roteiro se chama ‘The Last Duel: a True Story of Crime, Scandal and Trial by Combat in Medieval France’, de Eric Jager, que ganhou tratamento da dupla Matt Damon e Ben Affleck, que não trabalhavam juntos desde o seu primeiro sucesso, que lhes deu Oscar, ‘Gênio Indomável’ (1997). A dupla chamou Nicole Holofcener, para dar a perspectiva feminina ao roteiro. Assim, todos os lados da questão estão bem balanceados.

A história se passa na França Medieval, mas toca em temas até hoje pertinentes. Marguerite de Carrouges (Comer) é a jovem esposa de Jean de Carrouges (Damon), bravo cavaleiro da corte do conde Pierre d´Alençon (Affleck, louro). O fiel escudeiro deste, Jacques LeGris (o onipresente Adam Driver), é muito caro a Jean, que lhe salvou a vida em batalha. Contudo, LeGris se encanta por Marguerite, moça culta (sabia ler, o que era raro na época para mulheres) e ‘parece’ ser correspondido. Tendo essa interpretação, LeGris investe na casa dos de Carrouges, quando Jean sai para mais uma batalha. Contudo, apesar de atraída pelo charme de Jacques, Marguerite resiste a sua investida. Então, cria-se uma situação de estupro.

A partir daí se desenrola o fio principal da trama, que levará para um duelo pela honra de Marguerite e do nome da família de Carrouges. Caso Jean vença o duelo, a moça será inocentada. Mas ninguém quer saber se ela foi realmente violada ou se consentiu. A palavra do nobre escudeiro vale mais do que a da mulher. E para o marido, quem vai decidir é a ‘justiça divina’, não a palavra dela. O clímax do filme, com o aguardado duelo (último, porque estava em desuso na época), vale o ingresso. Scott já mostrou, em ‘Cruzada’ (Kingdom of Heaven, 2006), que sabe filmar cenas de batalhas. Elas são poucas, mas muito boas.

‘O Último duelo’, é um dos dois filmes de Ridley Scott (que, aos 83 anos, continua ativo como nunca) que veremos no cinema este ano. O outro será ‘House of Gucci’ (também com Driver), em dezembro.

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COTAÇÕES: ***** excelente / **** muito bom / *** bom / ** regular / * ruim / bola preta: péssimo.