'Sou uma poderosa. Vitoriosa quatro vezes: mulher, negra, estrela e gostosa'

...

Por LUÍS PIMENTEL

Elza Soares em foto do arquivo do Jornal do Brasil

O Carnaval 2020 promoveu oportuno resgate da música do gênero, com a volta de belos e criativos sambas de enredo. E ainda reverenciou uma personalidade marcante de nossa cultura popular, que há muito fazia por merecer. Homenageada pela Mocidade de Padre Miguel, a cantora Elza Soares emocionou e comoveu a avenida, foi aplaudida do início ao fim do desfile de sua escola e recebeu prêmio máximo como Personalidade do Ano.

Elza Soares partiu neste 20 de janeiro (mesmo dia da partida de seu grande amor, Mané Garrincha, ele em 1983). Cidadã do mundo, do subúrbio e da Zona Sul do Rio de Janeiro, da infância em favelas, com latas d´água na cabeça, ao sucesso explodindo mundo afora, recebendo elogios de quem conhece o seu ofício, Elza foi e é de todos. Já me disse em uma entrevista, para a revista Música Brasileira: “Degustei lágrimas como quem degusta vinho. Sei o gosto que elas têm”. Não foi apenas uma frase de efeito. Quem conhece um pouco de sua história sabe que ela comeu o pão que o diabo amassou, antes de brilhar tão lindamente na música.

Ainda cantava lindamente. Possuía recursos vocais personalíssimos, arrancando as sílabas da garganta como se quisesse estourar as veias do corpo. Parece que “rói do cóccix ao pescoço”, como no verso da música que Caetano Veloso escreveu para ela e que virou título de um dos seus mais belos CDs.

Outro que homenageou a garra da cantora, seu som em fúria, foi Chico Buarque. Lembrou o craque dos craques, na canção Dura na queda: “Apanhou à beca, mas pra quem sabe olhar/A flor também é ferida aberta/E não se vê chorar”. Do velho 78 rotações ao CD, foram mais ou menos 100 discos gravados, no Brasil e no exterior. Nos EUA, resolveram examinar sua garganta e concluíram que as cordas vocais eram defeituosas. Um defeito perfeito. “Armstrong ficou deslumbrado quando viu que termino de cantar e falo normalmente, que esse som é puro efeito vocal. Ele me chamava de filha espiritual”, contou ela.

– Sou uma poderosa. Vitoriosa quatro vezes: mulher, negra, estrela e gostosa – disse na entrevista citada.

Diz o último verso da canção do Chico: “O sol ensolará a estrada dela...”. A estrada sempre esteve ensolarada. Elza Soares é a verdadeira guerreira da luz. Vá em paz.