A punição de Jabor
João Pedro Roriz
Sou fã de Vinícius de Mo- raes, masnunca con- cordei com uma de suas frases mais célebres: “tristeza não tem fim, felicidade sim”. Na minhaopinião, tristezae alegria sãosentimentos efê- meros de igual importância que denotamo estadode es- pírito deuma pessoa.A feli- cidade, por sua vez, é uma con- dição fundamental paraa vi- da: ouvocê vivee portantoé feliz – mesmo triste ou alegre –, ou entrega a vida a uma con- dição deinfelicidade quese assemelha à morte. No novo longo (ops!), longa de Arnaldo Jabor, a felicida- de do povo brasileiro é apre- sentada através de inúmeras manifestações populares: seja a anarquia do Carnaval, a insanidade do artista, a doença social ou o romantis- mo melancólicode alguns bairros epersonagens cli- chês do Rio de Janeiro. Ora,Jabor sabemelhordo que ninguém que, se as per- nas de Garrincha não fossem tortas, não entortariam os ad- versários... Jabor sabe que, se Aleijadinhonão fossealeija- do, talvez não tivesse o poder de superação que o transfor- mou num dos maiores artistas brasileiros. Jabor sabe que o brasileiro ama reconhecer em seus semelhantes o seu poder de superação: daí a eleição de Lulae Dilma(que, nestaor- dem, deixaram a pobreza e os porões do Dops para ocupar a Presidência). Jabor parece terinveja dequemconsegue conquistar as coisasna gam- biarra. Para pessoas como ele, o Brasilé terraque assusta, quecontém cenasfortesque deflagram injustiças, mortes, sexo,vícios epaixões.Mas, agora, ele ri de tudo isso, pois sabe que essas cenas fortes es- tãoficando cadavez maises- cassasem nossopaís,graças ao crescimento econômico e desenvolvimento socialque alcançamosnos últimos20 anos.Jabor, comessefilme cheio de seios nus, apresenta o epílogo desse Brasil velho (e, consequentemente, do Cine- ma Velho... quer dizer, Novo) e se dá por vencido: ele diz qua- se sem querer, “amigos, ape- sardeodiá-los enãoenten- dê-los, eu fui feliz”. O Brasilde hoje,que tenta restringirinstintos evícios– seja através do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Lei Seca, das leis antitabagis- tasouaté mesmoatravésda profissionalização das prosti- tutas – é a imagem de um país que Jabor gostaria de ter vi- vido a vida toda... e que é tão chato quanto assuas sobran- celhas céticas. Mas, por baixo da carranca dura, mora no pei- to desse críticoo mesmo co- ração capaz de escrever o belo livro de crônicas
Amor é prosa, sexo é poesia
. Por isso, acredito que Jabor tenha saudades do Brasil que conheceuem sua adolescência. Sóisso justifi- caria tamanhanecessidade de nos mostrar a beleza que se escondepor trásdecertos dramas,a pontodeexagerar nos monólogose nosenchar- car com tantas nostalgias. Afi- nal, ele sabeque neste país politicamente correto que es- tánascendo(e quede,certo modo, ele ajudou a construir), nãohá espaçoparacertos amores, certos odores, certas dores rodrigueanas que o tempo levou. Jabor tenta entender desde pequenoa felicidadedeum povo triste e subdesenvolvido e agora nos pune por ter nas- cido no país do cruzeiro, apre- sentando-nos umfilme que– assim como a vida – nos incita ao riso,o choroe otédio. As cenas demelodramas fortui- tos passados na telona são até coerentes, poisnosso povo adorauma novela:ébagun- ceiro, é espalhafatoso, é debo- chado efalastrão. Nessemo- mento, reconhecemosno fil- me o crítico mordaz que trans- forma o ceticismoem um es- tilo de vida.Como esse povo, esse mesmo povo que batuca, se esfaqueia, se lambe, se en- trega de mão beijada pode ser assim tãofeliz? Comopode o povo brasileiro fazer alguém como Jabor ser tão feliz? Se essa não éa Suprema Felici- dade, eu não sei mais sobre o que esse filme fala...
JUVENTUDE– Paulo (Jayme Matarazzo) descobre a amizade, o amor e o sexo no Rio
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