SPFW: além das coleções, histórias e parcerias

Por IESA RODRIGUES

Moda praia na estação fria tem estampa bordada com o design da embalagem do sorvete Häagen Dazs apresentada pela Patricia Bonaldi, da Pat Bo

Em meio às turbulências econômicas nacionais e internacionais, os profissionais do setor moda continuam criando e se reinventando. Depois dos lançamentos do Veste Rio, no Pier Mauá, foi a vez da 48ª edição da São Paulo Fashion Week, que ocupou esta semana com agenda de desfiles de nomes consagrados como Reinaldo Lourenço e muita gente nova, patrocinada pelo Projeto Estufa, esperança de renovação do elenco de marcas nacionais.

Entre as tentativas de descobrir estes novos designers e reforçar o currículo das marcas que resistem às crises, a moda supera os limites do simples vestir. Investe nos temas do momento, as diferenças e escolhas humanas. Uma definição coerente com os vários caminhos da semana da São Paulo Fashion Week é da grife Lilly Sarti: o que já é conhecido ganha ares completamente diferentes. E que, se ainda não chegaram, estão logo ali, ao nosso alcance.

Histórias e inspirações

Cada autor tem uma história para justificar seus modelos. Um exemplo, Ana Luisa Fernandes que, guiada por tambor xamânico com a terapeuta Fabiola de Freitas, saiu de uma meditação sonhando com Alces e um Pégaso que inspiraram as propostas da Aluf. Destaque para a alfaiataria revista em formas ao mesmo tempo definidas e infladas, fora do tradicional.

Lívia Campos explicou a origem das ideias sem gênero que assina para a Beira. “Se me perguntam qual o conceito da coleção que estou apresentando, respondo rapidamente que não há. Meu principal objetivo é criar a próxima calça, a próxima blusa, enfim, a próxima peça de roupa. É nela que existe potência de linguagem. E esse processo é contínuo.”

O blues motivou Angela Brito a uma jornada de metáforas sobre o mundo, na coleção Fuga. A alfaiataria convive com shapes desalinhados em formas, silhuetas e looks compostos por muitas camadas irregulares de sobreposições que Angela define como herméticas.

Na Lilly Sarti a revirada dos baús revelou a revisão do passado como ponto de partida. "Rever o passado, sabendo que o futuro está logo ali, em ritmo galopante, fortalece a identidade" . O resultado traz os babados, vestidos baby-dolls e tops de paetês prontos para se transformarem em best-sellers.

O peso dos acessórios e parcerias

O inverno 2020 serve de pretexto para reforçar a importância dos calçados pesados. A maioria deve seguir a forma básica da linha masculina ou esportiva. Gloria Coelho se uniu a Livia Ribeiro, proprietária da Louie for Her e completou a coleção com versões femininas de Derbys e Loafers, clássicos masculinos ingleses.

Os tênis chunky, como são conhecidos os modelos pesados, de solados grossos, devem continuar a calçar os adeptos e adeptas deste gênero. O baiano Isaac Silva escolheu a marca Skechers, conhecida pelos que prezam o conforto, que agora aderiu ao Chunky na linha D´lites, já visto nos desfiles de Londres e Tel Aviv.

Coerente com as lavagens e tratamentos dos tecidos, na Beira até o clássico All Star Chuck Taylor foi tingido artesanalmente em tons de azul.

Outra parceria, esta mais leve, uniu a estampa do sabor do sorvete Strawberry Cheesecake de Häagen Dazs à moda praia da estilista Patricia Bonaldi. As duas peças da PatBo são ricas em bordados e volume desenvolvidas pela consultoria de design Love Creative, com criações de 13 artistas.

Uma das marcas que começaram na seleção de novos do Veste Rio também ganhou acesso a uma grife famosa internacional: a Neriage, da Rafaella Caniello conseguiu em São Paulo a parceria com as joias de ouro, turquesas, opalas rosas, ônix preto e diamantes da Tiffany&Co.

O lado humano

Os elencos que vestem as novidades fornecem notícias à parte. Se na edição anterior a morte de um modelo ofuscou o brilho dos lançamentos, desta vez até a quinta-feira os padrões diferentes das jovens belas e magras predominaram. O mineiro Gabriel Figueiredo, 26 anos, se diz um homem gay andrógeno. Gabbe faz parte do casting da agência Rock MGT. É uma das estreias da SPFW, e costuma declarar que apesar da forte feminilidade, não se sente mulher, nem é trans. "Isto é libertador". Uma bela aquisição para a moda, começando pela participação na marca Another Place.

Izaura Demari, influencer de quase 80 anos, foi convidada pelo Instituto Free Free para desfilar ontem no Pavilhão das Culturas Brasileiras. O Free Free foi criado por Yasmine Sterea, que pretende transformar o mundo em um lugar onde meninas e meninos não sintam culpa, medo nem vergonha de ser quem são.

Materiais

Rumo ao futuro sustentável, a maioria dos desfilantes optou por processos artesanais e tecidos reaproveitados. Mas o uso de poliamidas biodegradáveis, fibras recicladas e sobras de outras coleções não impede sedas e lãs nos babados e plissados luxuosos e nas alfaiatarias. Técnicas de fundição, pesquisas com vidro e até doações de lojas como a Gallerist apontam os caminhos conscientes da necessidade de reduzir o poder poluidor da moda.

Quanto ao colorido, será um vale tudo. Pelas coleções desfiladas as cores neutras dos off-whites e a escuridão dos pretos e cinzas ganham a concorrência de muitos azuis, vermelhos, verdes, corais, pinks, alaranjados. Surpreendente a falta de terracotas, previstos para o inverno 2020 tanto na moda como na decoração para o hemisfério norte. Vamos nos preparando para vestir tons como bubble gum, rosa dahlia, azul neptune, verde palm tree e praliné, tons batizados por Renata e Lilly Sarti.