Sempre aos domingos - Masculinidade, essa qualidade tão frágil

Por Gilberto Sco?eld Jr.

Acompanhando determinado assunto no Twitter esta semana, acabei me deparando com uma das threads mais inacreditáveis. Para quem não sabe, thread, em tuitês, é quando alguém faz um post e pede que outros deem exemplos (ou não) e a coisa vira uma lista interminável de itens. Em inglês, thread significa fio, o que também ajuda a entender a coisa. Enfim, o thread em questão partia de um chamado à ação de @barangurte: “Motivos pelo qual eu já presenciei um homem hétero ser chamado de viado (sic) por outros homens héteros: a thread”. De cara, fui acompanhando aquilo e morrendo de rir com as respostas. Um tempo depois e eu estava achando tudo menos divertido e mais constrangedor. No final, aquilo me parecia estranhamente triste depois, a comprovação: como o conceito de masculinidade é uma coisa frágil! 

A qualidade de ser homem hétero ou másculo repele todo o tipo de empatia, emoção, carinho e respeito, empacotados numa caixinha que iguala mulheres a gays, ambos seres inferiores. Como se a qualidade de humanidade fosse oposta à da masculinidade. Se você chora em situações de tristeza, então você é sensível demais. E por ser sensível demais, só pode ser gay, a coisa mais próxima de uma mulher quando se fala de homens. Melhor dizendo: quando homens héteros sem noção falam do que é ser homem “de verdade”. Senão vejamos algumas das situações em que homens héteros chamam outros de veados (eu mesmo coloquei uma que eu já ouvi da boca de um advogado – “homem que é homem tem cachorro grande. Cachorro pequeno é coisa de veado”). 

Alguém aí pode vislumbrar uma pista sequer que fundamente a afirmação de que a masculinidade de um homem fi cou menor porque ele decidiu ter um, digamos, shih-tzu? É para rir, não? Não, é para chorar. Porque a coisa não para por aí. Outras razões de perda de masculinidade na lista do Twitter incluem: usar qualquer peça de roupa rosa, não querer mijar ou cuspir na rua, ser alérgico a alguma comida, atender telefonema da própria mãe, não ver problema em ficar com mulheres que não sejam muito bonitas ou muito gostosas, limpar-se depois de fazer suas necessidades (!!!!!!!), mandar flores para a namorada, tomar água com gás, ser vegetariano ou, mais especificamente, gostar de carne bem passada, encostar na quina de uma mesa, escolher qualquer comida com rúcula, não gostar de futebol, falar português correto, malhar pernas na academia, enxergar além de cores primárias (ex: azul-turquesa), assistir e comentar séries de streaming, gostar/conhecer arte – e a coisa vai piorando -, aceitar passivamente que uma mulher não queria transar com ele, achar normal gente não heterossexual existir, chamar amigo de amigo, fazer exame de próstata. 

E vou parar por aqui porque a lista de sandices é interminável e vou voltar ao que me interessa. Não lhe parece claro que a cultura da masculinidade, como a conhecemos, é não só limitadora no desenvolvimento de potencial humano da cada homem, mas extremamente perigosa em termos de sociedade como um todo? Não lhe parece que um raciocínio como a não aceitação da rejeição de uma mulher (seja porque ela não quer transar, seja porque não quer mais continuar num casamento abusivo) está na base do feminicídio que se vive no Brasil? Essa masculinidade tóxica é uma praga histórica. Que machuca em todos os sentidos. 

Em entrevista à revista “Marie Claire”, Guilherme Valadares, membro do Comitê #ElesporElas, da ONU Mulheres, explica o conceito: “O termo é uma crítica a comportamentos desnecessários e destrutivos para o homem e aqueles que o cercam. São comportamentos destrutivos, interna e externamente, conectados a uma visão de mundo que entende o masculino como superior ao feminino. Essa noção valoriza qualidades como dominância e controle, enquanto despreza aspectos como vulnerabilidade, altruísmo e compaixão, entendidas como sinais de fraqueza e associadas às mulheres”. 

Segundo a OMS, o Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo, crime praticado contra a mulher por esta pertencer ao gênero feminino. E o país é recordista de assassinatos de LGBTs pela simples razão de serem LGBTs, quer dizer, a homofobia e a transfobia matam. E os assassinos são geralmente homens. A culpa por isso é de todo mundo. Vai de pais e mães que adoram dizer, a respeito de seus filhos varões: “segurem suas cabras porque meu bode está solto”. Ou de uma sociedade, mulheres incluídas, que acha que a culpa do estupro geralmente é da vítima. Ou de uma polícia que opera num espectro limitado de apuração que não leva estas variáveis em consideração. O crime não é passional. Não existe crime se existe paixão. Ou o assassino é psicopata ou é feminicídio ou a homofobia assassina. E isso deveria ser agravante pela futilidade a nível intelectual. 

E isso não é coisa de homem pobre ou não instruído. Este ano, a marca de bebidas Scwheppes pediu a ajuda de um cientista que desenvolveu um vestido sensorial capaz de transmitir por wi-fi  a quantidade de toques no material. A marca emprestou este vestido a três mulheres para que se descobrisse quantas vezes elas são tocadas por homens em baladas do beautiful people sem a permissão delas. O resultado: em 3h47 foram 157 toques, sem contar os do cabelo. Dá 40 toques por hora. Melhorem, homens. #nãosejaessapessoa 

Para quem está interessado na experiência, acesse aqui: https://www.youtube. com/watch?v=Lljf3C0KzH0